sábado, 5 de novembro de 2016
ESPELHO DOS MUNDOS
A manhã faz-se fresca sobre os gritos sonolentos dos pássaros,
que de um ramo para o outro exibem suas lindas asas misturados sobre o verde e
o amarelo das folhas das árvores enfeitadas de frutos que se desfazem sobre o
bico dos sabiá que deambulam e fazem a sua colheita.
Com os olhos arrebatados de cansaço das noites longas
passadas sobre a fusão de destinos e vontades, vê-se gente cruzando as estradas
alcatroadas de vontades indomáveis. De chinelos violados com chuvas de arames, Josué
olha para os lados e tenta compreender o seu destino. De repente para sobre a
passarela da estrada e olha para os dois lados, tentando entender o motivo que
lhe fez acordar tão cedo de casa, mas ao mesmo tempo devagar enquanto
inferioriza-se sobre os carros de luxo que poderiam pagar a crise de um país
endividado.
Enquanto Josué multiplica sua pobreza sobre o ver da
felicidade patente nos olhos dos homens ricos, ouve-se da janela daquele carro,
amarelo com vidros fumados, um “suca” de um condutor confuso por lhe terem
cortado a prioridade. Josué solta um sorriso leve, como se tivesse esquecido
que não tivera jantado na noite anterior. Parecia tão feliz que poderia fingir
tamanha felicidade para os homens que se cruzam nas estradas sem sequer dizer
um “ola”.
Sobre o silêncio oculto, longe do pensamento dos
viventes, encontra-se ali ao lado daquela estrada barulhenta de gente furiosa
sobre os ralis, aquele cemitério empanturrado de gente aflita pela ressurreição
outrora prometida pelo homem da mais pura santidade, Jesus Cristo.
Naquele ruído fatigante das buzinas dos carros, Josué
descobre-se com o estômago roncando sobre as salivas secas de tantas noites
passadas contando as horas para o amanhecer.
A cinco passos dos seus olhos famintos, Josué vê gente
gritando sobre os empurrões e insultos paridos sobre a traição de esposas e
namorados infelizes, com o coração batendo forte pelo medo da separação. Mas Josué
continua sua jornada depois de as luzes verdes dos semáforos, que as vezes demoram
fechar, lhe libertarem daquela jaula que o impedia de caminhar rumo ao seu
destino.
Enquanto isso, no corredor daquele cemitério dali da
avenida Eduardo Mondlane, gente vende cosméticos, enquanto a mana Sassecane
despe-se do ruralismo ao colar das novas unhas de gel que impede mulheres de
lavar loiças e cozinhar por medo de perder a elegância e luxuria que separa casados. Mas não é só a Sassecane que se fazia presente por aquelas bandas.
A vovó Marlenane, idosa de seus oitenta anos e alguns
dias de vida, atravessava a estrada com seu corpo fortalecido sobre a bengala
do pau-preto, suada, cansada por causa da bugiganga cheia de coisas encontradas, nas estradas, nas costas. Vovó Marlene parecia uma turista.
Atravessava a estrada com um estilo único, feito uma
modelo na passarela, que da vida faz um sítio de charmes e venda de belezas.
Com o medo de ser atropelada e não ver a descida de Cristo na terra do
povo negro, vovó Marlene cruza a estrada sobre a pressa que jamais tivera na
sua vida. A idade não ajudava. De repente os óculos fogem de seus olhos e vê
somente imagens confusas e traiçoeiras.
Josué ainda estava do outro lado da estrada. De imediato
larga seus pensamentos confusos e vai ao encontro daquela “velha” traída pelos
óculos.
- Aqui estão
os seus olhos minha mãe.
- Obrigada
meu filho. Aqui somente via Cristo nos meus olhos.
- A mamã
é crente?
- Todo
africano pobre vai a igreja para mudar a vida. Porquê eu iria fazer diferente,
meu filho. Mas eu nem gasto meu dinheiro dando aos pastores. Se Cristo me
quiser vai me escolher com minha pobreza.
- Só
posso rir, minha mãe.
- Filho,
pareces triste. A tua pele pálida revela noites de tristeza enfeitadas de fomes
longas. Venha comigo. Vês aquela senhora ali a vender sopa? Ela é minha filha,
com certeza terás algo para queimar o teu estômago…meu filho.
Emocionado, Josué faz-se impressionado, emotivo e corre com
as vontades viradas para aquela panela cheia de sopa de feijão sorrindo contra
sua fome. Mas enquanto comia, Josué surpreende-se com aquela menina de saias
curtas, lábios infectados de batom gastos nas noites de amor comprado, que
enfraquecida coxeava até que se segura no poste ao lado daquele restaurante da
rua onde Josué desfrutava do seu lanche oferecido.
Josué inconforma-se. Olha para os lados e inquieta-se. Mete
duas…três colheres de sopa na boca. Levantando a quarta vê aquela menina meiga
de olhos amarelos perdendo a força contra a lei da gravidade. Mas Josué corre e
a segura com suas mãos de homem valente e a leva junto do prato para ajudá-la,
depois de descobrir que as lombrigas famintas invadiam o estômago daquela
pequena menina viajante.
- Veja
se comes miúda. É fome isso.
Josué parecia médico cuidando do seu paciente. Fazia como
se sua fome não existisse sempre que atirava as últimas colheres de sopa na
boca daquela menina desconhecida.
Alguns minutos passados a menina vendedora de sexo dizia
ser Ana, sobre o espanto de senhores que olhavam de longe a situação, sem
querer se aproximar de perto. O mundo define-se assim quando não se quer ajudar
as pessoas a ultrapassarem desafios.
-
Obrigado moço. Não sei o que seria se não fosses tu. Dizia a jovenzinha de seus
22 anos.
- Esse
jovem é diferente. Ajudou-me quando os meus óculos caíram na estrada traiçoeira.
Minutos depois Josué se separava daqueles desconhecidos, conhecidos
sobre as surpresas da vida, e seguira seu caminho indefinido. Enquanto isso, os
mendigos esfomeavam-se sobre os
contentores imundos de restos.
De longe, via-se um trânsito parando um camião cheio de
chapas de zinco, como se fizesse Raio-X dos carros à procura da imperfeição que
lhe garantisse trocos para uma noite de tranquilidade.
Sem a imagem do Josué, da vovó Marlene e da menina Ana, fecho
a janela do meu quarto, entretanto o mundo continua ali…naqueles olhos de gente que
se conhece e desconhece sobre os olhares distintos por seus desafios.
Sérgio
dos Céus Nelson
(Tentando
compreender o mundo parado na janela do meu quarto)
Sobre o autor do blog
Sérgio dos Céus Nelson
Communication Officer at Lúrio University Journalist. Freelancer. Activist of Human Rights. Photographer
Communication and information specialist. Journalist. Writer. Screenwriter. Researcher. Motivator. Volunteer.
Founder of the Association of Environmental and Human Rights Journalists - AJADH and the Literary Association of Arts and Culture of Mozambique (ALARCUMO).
Contact: (+258) 829683204 or 846065018/879877312
Skype: Sérgio dos Céus Nelson
Journalist with Honorable Mention in the International Prize for Human Rights Journalism, by the Association of Public Defenders of the State of Rio Grande do Sul (ADPERGS) - Brazil.