segunda-feira, 12 de junho de 2017
“A luta contra a fome passa necessariamente pela reorganização do Aparelho de Estado” - Samora Moisés Machel, 1º Presidente da República de Moçambique
Um país que não sabe identificar suas prioridades é um
país que será sempre jogado ao despesismo e a ignorância dos reais problemas
enfrentados por seus cidadãos, por isso vemos os espectáculos de importações de
carros de altos níveis (de preços exorbitantes) em momentos em que ainda parece
não se perceber onde injectar os fundos que aparentemente sobram nos cofres do
estado.
Vivemos, ainda, numa realidade em que crianças
definham de fome, mães não conseguem tirar leite de qualidade por falta de
alimentação adequada que fortalece seu leite com nutrientes para melhor saúde do seu bebé. Mas
ao mesmo tempo estamos nesta lenga-lenga de um povo que vive em dualidades (um
governo de luxo versus sociedade analfabeta e pobre).
Quando
Beatriz Buchilli (PGR) apresentava o relatório sobre a corrupção na Assembleia
da República, disse ser imperioso recuperar os activos derivados dos actos de
corrupção. Tal discurso que põe em causa o que realmente acontece no cenário
moçambicano. Ora vejamos:
Numa
altura em que Moçambique ocupava a posição 112ª (2015), num total de 168 países
envolvidos, em 2016 caiu 32 lugares no Ranking da Transparência Internacional
(TI), ocupando a posição 142 (sendo a Dinarmarca o 1º lugar), num total de 177
países.
É
importante perceber que tais quedas são, sem dúvidas, resultantes das dívidas
ocultas, casos de suborno da Embraer com envolvimento de altos quadros do país
na compra de aeronaves, sem falar dos empréstimos da EMATUM, MAM, PROINDICUS.
Todos estes factores que catapultam os custos da corrupção em Moçambique, fazem
do país ocupar a pior posição desde que o ranking começou a ser publicado a 22
anos, se formos a analisar os relatórios da Transparência Internacional.
Em
2015, segundo o Gabinete Central de Combate a Corrupção (GCCC), Moçambique
perdeu 80 milhões de dólares, dos quais apenas 14 milhoes foram recuperados, o
que nos desafia a melhorar os nossos sistemas de fiscalização (pode ser através
de monitorias e avaliação nos diversos sectores do estado, penalisando os
infratctores (mas como fazê-lo, se os que cometem tais atrocidades são os
próprios que ocupam cargos de mais elevada relevância?) e, sem dúvidas, saber
apostar em políticas de prestação de contas. Falo claro de prestação de contas
racionais e fiáveis.
Antes
de me alongar convido a ler o trecho de um dos discursos de Samora Moisés
Machel proferido numa reunião do Bureau Político com a população, em Nampula,
1984:
"O IV Congresso, o Comité Central,
determinaram que é necessário reduzir o efectivo do Aparelho de Estado. É preciso fazer dos Ministérios uma
estrutura pequena, forte, contundente, altamente disciplinada e executiva.
Esta deve ser a primeira característica dos Ministérios que queremos, nossos.
A segunda característica é que o pessoal deve ser qualificado, competente,
operativo, eficiente, eficaz e capaz.
A terceira característica é que o Ministério deve ser uma estrutura dinâmica,
capaz de operar 24 horas sobre 24 horas.
Mas não conseguimos fazer isso até hoje,
ao nível do Aparelho de Estado. Acomodamos lá preguiçosos, ladrões, desviadores
dos bens do Estado. Acomodamos lá
pessoal incompetente, incapaz, que não sabe o que é cortesia, que não sabe
a quem está a servir. Não sabe ser servidor do povo, nem sabe mesmo o que é o
povo. Não tem patrão. Sente-se, ele próprio, como sendo a autoridade, como
sendo o poder, como sendo o povo, como sendo tudo! (Risos). É isto o nosso
Aparelho de Estado! Isto acontece no nosso Aparelho de Estado, porque estes
meus colegas Ministros gostam de ter muito pessoal, para ficarem muito grandes
também! É por isso que prolifera nos Ministérios gente incompetente. Quando têm
um dactilógrafo incompetente, eles admitem mais três, para fazerem o trabalho
de um. Por vezes, no lugar de um admitem quatro e no lugar de dois, admitem
oito!
Assim, como vai ser dinâmica e contundente
a estrutura?
Não expulsamos a incompetência, a
incapacidade. Acomodamos, sim, a ignorância, a arrogância, a prepotência.
Fazemos desses incompetentes nossos aduladores, nossos admiradores.
Não expulsamos, não punimos, não prendemos
os motoristas que destroem carros do Estado, que atropelam e matam cidadãos.
Não prendemos, não julgamos, não condenamos os que desviam os bens do Estado .
É assim que o nosso Aparelho de Estado está infiltrado.
Mas a luta contra a fome passa necessariamente
pela reorganização do Aparelho de Estado, pela eliminação dos prepotentes, dos
arrogantes, dos preguiçosos, dos ladrões no Aparelho de Estado."
Certamente
que depois de ler o trecho, acima, do discurso de Samora Machel [1]
notamos, na actualidade, uma roptura com aquilo que chamaria de valorização
racional de um povo, ou se ainda preferirmos, o respeito pelas lideranças no
contexto africano, particularmente em Moçambique (se formos a tomar este
discurso na essência da palavra). Há, sem dúvidas, a necessidade de uma
reestruturação da máquina do estado, mas que tal resstruturação significa,
também, a participação da sociedade na implementação de tais anseios.
Continuar
cego nao é uma opção para quem sabe que ainda pode recuperar a “visão”, mas
estar paralítico e ver seu país ruir pode ser alternativa de quem acredita que
somente as futuras gerações serão as responsáveis por uma mudança. Coloco,
neste sentido, a aparente dualidade de Homens que não sabem se decidem acordar
para tomar banho ou continuam na manta e sentem a quentura (da manta) que pode
retardar o seu desenvolvimento.
Quando
Samora Machel diz que “É preciso fazer dos Ministérios uma estrutura pequena”
desafia a sociedade (moçambicana) a repensar não só nos seus gastos, mas também
numa ética laboral que significa acima de tudo perceber que há uma nação que
precisa de atenção e não um escritório cheio de mao-de-obra ineficiente. Aliás,
pensar nesta perspectiva de Samora Machael, provavelmente nos faça repensar no
como formatar (recriar) ministérios que já se encontram enfermados de lerdeza,
ineficiência e acima de tudo do desconhecimento sobre as suas reais funções.
Sem
dúvidas que a necessidade de “o pessoal deve ser qualificado” deve/deveria ser
uma aposta a se levar a sérios se o que se precisar for um estado virado para o
futuro. Um futuro de oportunidades e de desenvolvimento, onde as “doenças crónicas
e agudas” etc sejam uma utopia porque o estado/governo disponibilizou recursos
para lutar contra as diversas doenças fatais que aniquilam gente e crianças
desnutridas.
Quando
Samora Machel desafia que “o Ministério deve ser uma estrutura dinâmica, capaz
de operar 24 horas sobre 24 horas”, certamente remete-me as ausênicas massivas
que se notam durante as horas do trabalho nos diversos sectores do estado (e
nao só). Tais desistências que amortecem e desaceleram a função pública, por
isso que temos uma administração pública enferujada e asfixiada e deixada aos
relento. Claro que a sua reactualização significa uma “limpeza institucional”
séria, no sentido de perceber, de forma séria, a necessidade de galvanizar a máquina
do estado para garantir o seu desenvolvimento, de forma mais produtiva, celere
e acima de tudo inclusivo.
Reflectindo
sobre a visão de Samora Machel quando diz “Acomodamos lá (no Aparelho do
Estado) pessoal incompetente, incapaz, que não sabe o que é cortesia”, percebo
a falta de seriedade no que tange a forma como so funcionários públicos
percebem o seu dever de servir. Disse DEVER, porque é sim uma missão que se tem
a cumprir, atender de forma cordial os utentes e não como se nada se tratasse
(que se leia o Estatuto e Regulamento dos Funcionários e Agentes do Estado para
se perceber como se portar e o que seria incompatibilidades nos funcionários do
estado).
Samora
Machel dizia que “quando um gato foge e vai viver no mato e só visita a casa
para roubar ouvos e galinhas já não é gato, mas sim uma góia”. Faço esta
analogia olhando para os diversos sectores do Aparelho do Estado que, nas suas
anomalias, continuam se enfraquecendo cada vez mais, como se não soubessem
identicar dificuldades e através de uma analise FOFA (Forças, Oportunidas,
Fraquezas e Ameaças) criar ideias/políticas para o desenvolvimento, criando
novas rédeas que dinamizem e fortifiquem aquilo que são ambições da nação (ou
será que não temos ambições como estado?).
Soluções?
Há várias, mas de entre elas, acredito ser imperioso que se saiba ser servidor
do povo e saber o que é o povo. Não se pode continuar com um discurso de que “o
povo é o patrão”, se esquecemos dele (o povo) nas tomadas de decisão e quando
os dirigentes se sobrepõem ao povo.
Acho
também importante a racionalização dos fundos do estado, porque somente dessa
forma se poderá perceber que “a luta contra a fome passa necessariamente pela
reorganização do Aparelho de Estado”.
Sérgio dos Céus Nelson[2]
[1] Samora Moisés Machel foi o primeiro Presidente da República de Moçambique e quem dirigiu o país a sua independência a 25 de junho de 1975.
[2] Sérgio dos Céus Nelson
é licenciado em Jornalismo pela Universidade Eduardo Mondlane – Moçambique
(Maputo). É jornalista e pesquisador. Suas áreas de actuação estão ligadas aos
direitos humanos, meio ambiente e conflitos (Jornalismo de guerra).
Email: sergiodoscnelson@gmail.com
Sobre o autor do blog
Sérgio dos Céus Nelson
Communication Officer at Lúrio University Journalist. Freelancer. Activist of Human Rights. Photographer
Communication and information specialist. Journalist. Writer. Screenwriter. Researcher. Motivator. Volunteer.
Founder of the Association of Environmental and Human Rights Journalists - AJADH and the Literary Association of Arts and Culture of Mozambique (ALARCUMO).
Contact: (+258) 829683204 or 846065018/879877312
Skype: Sérgio dos Céus Nelson
Journalist with Honorable Mention in the International Prize for Human Rights Journalism, by the Association of Public Defenders of the State of Rio Grande do Sul (ADPERGS) - Brazil.