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quarta-feira, 20 de janeiro de 2016
A LOUCURA COMO UM PASSO PARA A LIBERDADE
Verdades
da anormalidade e mentiras da lógica
Definir
o mundo já foi um problema desde que não imaginávamos nascer. De repente a
diferença passou a ofuscar os olhos dos Homens como se somente pudéssemos viver
numa esfera onde todos seguimos os mesmos ritmos, sem aceitar a diferença
patente no consciente de cada ser que decide se definir na sociedade pelas
atitudes e a anatomia que o faz gesticular, pensar, viajar no seu próprio
cosmos a procura de uma definição real da vida. Mas será que a vida é somente
isto que conseguimos ver, ouvir e sentir? Não há nada mais que uma simples
aceitação do normal e do que os outros acreditam ser correcto e aceitável nas
normas desta colmeia que chamamos de sociedade?
Lembro-me
Sigmund Freud (final do seculo XIX) quando na sua análise sobre a psicologia
clinica tentava fazer uma observação e analise aprofundada de casos
individuais, no sentido de tratar pacientes com “doenças mentais”. Freud
aceitou a atitude diferente como uma anormalidade que infringisse o modus
vivendi. Recordo-me até do seu discípulo Breuer, quando naquela altura
decidiram usar a hipnose como um método de cura dos pacientes. Mas pode-se
indagar até que ponto a anormalidade pode ser fruto de “problemas mentais”.
Breuer acreditava que através da
hipnose a pessoa poderia driblar censuras que a impediriam de lembrar certos
fatos (os traumas), e assim melhorar sua ideia de tais experiências. Freud
depois descreveu esse estado como catarse. Freud discordava quanto à eficiência
da hipnose, e em contrapartida desenvolveu a técnica da livre associação. Foi
aí que a Psicologia Clinica
nasceu, porque trouxe a cura pela
palavra. Daí, o advento da Psicanálise abriu um abrangente campo para
novas teorias, como a Psicologia Analítica de Gustav Jung,
discipulo de Freud.
Depois de tantas metamorfoses do
pensamento sobre a loucura muitas linhas de pensamento em psicologia emanaram no
sentido de explicar a origem daquele comportamento “Anormal” que rompe com as
formas de manifestação do nosso EU. Quando falo linhas de pensamento me refiro
a Psicanálise
a Psicologia Analítica, a Análise do comportamento ou Behavorismo de
Skinner
e a Fenomenologia que nasceu dos pensamentos de Sartre,
Husserl,
e tem seus expoentes na psicologia representados por Rollo May
(existencialista) e Fritz Pearls (Gestalt
Terapia).
O que me leva a tecer estes
pacatos pensamentos sobre a loucura, tem mesmo a ver com a necessidade de
debruçar em torno de verdades da anormalidade e mentiras da lógica. Estas
verdades da anormalidade tendem exactamente a aceitar que o mundo não é somente
feito da superficialidade do nosso comportamento ou a ignorância que temos em
aceitar que existem novas formas de manifestar e desenhar o que Freud chamava
de “sermos movidos pelo inconsciente”.
Este inconsciente é uma fórmula
que está de certa forma ligada a nossa medula e nos define não somente como o
que o outro espera de nós, mas também como nós nos aceitamos como seres. Talvez
se pense de forma culposa ou estranha na atitude do jovem que vai a lixeira e
procura um cardápio para o seu jantar. Mas esta forma de viver transpassa o
lado cónico do sentido da verdade que muitas vezes serve para nos cegar e nos
limitar do valor de reflexão e análise do comportamento não só como a igualdade
dos actos entre indivíduos que coabitam na mesma esfera de vida, mas também
como a diferenciação do conceito viver.
Ao analisarmos esta vertente,
encontramos algumas contradições: o “ser anormal” que vai no lixo a procura da
comida e o mesmo ser que percebe que para viver precisa se alimentar. Aliás,
esta contradição quase que acasalada remete-nos a necessidade de reflexão deste
“louco” como um “hibrido” que anda pelas estradas e demonstra a sua real
aparência e vontade de identificar-se no meio de tanta gente que vive de mesmices.
Ora, loucura pode existir no
pensamento de um Homem que ao dormir na estrada cobre caixas pelo medo do frio?
Seria loucura por ter saído de casa ou por ter visto que viver em sua casa não reflectiria
o seu verdadeiro “EU” escondido porque as pessoas vivem sempre lhe pedindo mais
do que pode?
A verdade é que nós Homens
vivemos numa loucura aceitada de que temos que rejeitar o que somos e aceitar o
mundo definido pelos outros. Decerto que estou nalgum momento a problematizar a
psicanalise de Freud quando tenta perceber o Homem pela interpretação dos
conteúdos inconscientes, acções e produções imaginárias de um indivíduo, com
base nas associações livres e na transferência.
Um facto importante avançado por Freud ao falar da psicanalise tem a
ver com a sua convicção de que os problemas dos neuróticos e histéricos surgem
da inaceitação cultural. Mas isto pode-se problematizar em diversas
perspectivas: como aceitar uma cultura com a qual não nos identificamos ou como
viver uma cultura falsificada e emprestada dos outros.
Se formos a fazer uma análise
quase profunda do pensamento Lacaniano, pode-se perceber que Jacques Lacan
(1901-1981) ao romper com certos elementos defendidos por Freud (descartando os
impulsos sexuais e de agressividade, por exemplo), reveste-se na ideia de que o
“inconsciente determina a consciência”. E quando explica ainda que quando
alguém nasce, busca entender o que ele é, e acaba por se espelhar nos outros (o
estágio do espelho), e essa é uma imagem falsa, pois ele só vê uma cópia dos
outros, e não o "eu". Então o indivíduo acaba por perder esse
"eu", que é inato e não socialmente constituído.
Se formos a partir deste
pensamento de Lacan, podemos nalgum momento tentar perceber a atitude do Homem
que dorme nas passarelas das estradas, por debaixo dos semáforos e analisar o estágio
do pensamento que o define não como um louco, mas sim como um reflector das
suas aspirações de vida.
Certamente que partindo das
ideia de Lacan, pode-se perceber que “vivemos no plano da fala, aonde o
conteúdo é inatingível (plano do simbólico), as imagens (falsas) que temos
sobre nós e os outros, são o plano do imaginário, e o Plano do Real é
inatingível (estrutura)”. O que estou atentar dizer é que muitas vezes
emprestamos a nossa identidade por querer ser considerado normal pelos outros,
mesmo que isso aprisione a nossa real vontade de ser livres.
Na psicanálise lacaniana que visava
a auto-experienciação pela vivência da travessia, no processo de análise, dos
fantasmas que estruturam as existências individuais, Lacan introduziu a
heterogeneidade no processo analítico contra uma uniformidade e
pseudo-previsibilidade a que os post-freudianos conduziram a clínica
psicanalítica. Por parte estas experiencias mostram anormalidade da loucura e
anormalidade do “normal”.
Filósofos contemporâneos como
Zizek definem Lacan como um filósofo de importância primordial para a
compreensão da "condição humana”, facto que me identifico quando Penso em
Lacan como um “defensor” nato do “como ser quando se quer ser”.
Sendo o comportamento do Homem
movido de muitos factores, um dos quais a sua percepção sobre a vida, pode-se nalgum
momento inculcar sobre a pertinência de criação de uma “comunidade aleatória”
na qual cada um vive conforme suas percepções de vida, mas é claro que tais
percepções não infrinjam as convivências sociais.
Se me for percebido, poderá se
perceber que falo aqui da loucura como um passo para a liberdade, no sentido de
demonstrar a expressão, o desabafo de um EU interior que estava preso por se
querer viver dentro de normas já criadas. Ademais, a loucura me parece um estágio
de controlo inconsciente das capacidades celulares do individuo. Porque digo
isto? Ao analisarmos um caso de um individuo “normal” que vai comer algo do
lixo, este reflecte a alimentação numa posterior doença diferentemente do louco
que sobrevive léguas de vidas mesmo sem passar de aulas de ética ou pelos
hospitais.
Uma vez Freud disse na sua carta
a Wilhelm Fliess, de 10 de Fevereiro de 1900, que "Na verdade não sou de
forma alguma um homem de ciência, nem um observador, nem um experimentador, nem
um pensador. Sou, por temperamento, nada mais que um conquistador - um aventureiro,
em outras palavras - com toda a curiosidade, ousadia e tenacidade características
desse tipo de homem".
Se formos perceber esta
afirmação, pode-se encontrar uma loucura Freudiana à medida que Freud ousa
colocar os "processos misteriosos" do psiquismo, sua "regiões
obscuras", isto é, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos, a
interioridade do homem, como problemas científicos. Falo de loucura não como
anormalidade, mas sim como a capacidade de pensar diferente e acreditar que se
pode viver um outro mundo onde se encontram “curas” de diferenças.
Por outro lado, interessou-me
escrever sobre as mentiras da lógica no sentido de problematizar aquilo que
acreditamos ser correcto, aceitável, normal e lindo. Afinal a beleza das coisas
não surge do que o outro acredita ou pensa ser justo.
A beleza de um gato para o
fulano A tem menos suavidade a de um crocodilo que é apreciado pelo fulano B.
isto somente para esclarecer o termo normal que muitas vezes tem sido usado sem
olhar para as liberdades dos que aceitam ser o que eles são, mesmo que a
sociedade os culpe por isso.
Continua…
Sérgio dos Céus Nelson
Sobre o autor do blog
Sérgio dos Céus Nelson
Communication Officer at Lúrio University Journalist. Freelancer. Activist of Human Rights. Photographer
Communication and information specialist. Journalist. Writer. Screenwriter. Researcher. Motivator. Volunteer.
Founder of the Association of Environmental and Human Rights Journalists - AJADH and the Literary Association of Arts and Culture of Mozambique (ALARCUMO).
Contact: (+258) 829683204 or 846065018/879877312
Skype: Sérgio dos Céus Nelson
Journalist with Honorable Mention in the International Prize for Human Rights Journalism, by the Association of Public Defenders of the State of Rio Grande do Sul (ADPERGS) - Brazil.

