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Margarida Cardoso |
terça-feira, 14 de junho de 2016
Um olhar sobre o filme “Yvone Kane” de Margarida Cardoso
Uma
juncão entre o escuro, suspense e constante presença da água em jeito de mar e
chuva caracterizam o mundo que Margarida Cardoso canta ao trazer-nos o filme
Yvone Kane que faz o seu início com a morte de uma criança que perde-se nas águas
do mar que ao longo das cenas vai reflectindo a solidão, pesar, angustia e
ficção. Mas mesmo com momentos elevados de suspense, o filme traz-nos momentos
distintos de drama que fazem o expectador perder-se no silêncio causado nalgum
momento por aquela falta de trilha musical, quase que propositada, que acaba
dando um sentido diferente ao filme visto por muitos como uma nova forma de
encenar, até porque há uma certa inovação aquando da criação dos personagens.
Com
117 minutos, o filme que conta com participações especiais de Beatriz Batarda,
Gonçalo Waddington e Irene Ravache, convida-nos a um enredo que nos faz
regressar no tempo e reviver o tempo de guerra, a coragem de uma mulher, nalgum
momento temida pelo seu caracter, mas também sensível, ainda que a tal
sensibilidade não fosse notória por causa do caracter social de uma mulher
feroz, empenhada em seus ideais que mostrava a sociedade. Aliás, importa
referir que é mesmo nesta imagem temida, da Yvone Kane, uma revolucionária que
é assassinada por conter segredos de alto nível, que a trilha merenda-nos com
constantes descontentamentos, fúrias, e uma relação individuo-história que faz
uma analogia, senão um ressuscitar do colonialismo em África.
Além
de muitos outros detalhes, o que se pode notar no filme são as constantes
interrogações de quem o assiste. Primeiro pela presença de certos personagens
que não são necessariamente identificados e desaparecem sem um objectivo
notório no filme. Em segundo, há uma serie de contradições no filme, mas tais
contradições tornam o filme interessante e diferente.
Vamos
em partes. Apesar de considerar-se que o filme seja ficção, ele acaba falando
de verdades típicas de Moçambique, até porque a imagem da Yvone Kane pode-se comparar
ou na imagem da Josina Machel, mas mais para Samora Machel (um homem temido e
com elevada coragem). Mas o filme traz consigo outras realidades, quase que
notórias de uma realidade angolana, o que faz o expectador viajar ao mesmo
tempo em duas realidades distintas.
A
maior magia que se pode sentir no filme é um objectivo bem conseguido por parte
da realizadora (Margarida Cardoso) que conseguiu fazer com que o filme agisse
com o expectador, fazendo cm que ele se coloque na posição dos personagens e conseguisse
sentir o sentimento por eles vivido, mesmo por causa do suspense e o drama que
acaba convidando o expectador a viajar naquele mundo e por causa do silêncio
causado no filme sentir-se como se estivesse no presente da vida cantada no
filme. Ademais, um outro ponto importante está ligado com o factor depressivo
que é aparente e constante na trilogia.
Numa
outra abordagem nota-se a frequente perturbação dos personagens, desde a Rita
que traz imagem de uma investigadora perturbada em querer saber das causas da
morte da Yvone Kane, assim como no suspense na relação com sua mãe, mas também
encontra-se a perturbação da Sara (Irene Ravache) que perde-se em seus medos,
desde a discussão que teve com Yvone, sustentada nalgum momento por aquela
ignorância e falta de abertura com as pessoas. Mas além disso, Sara escondia
duas maiores frustrações: uma por Yvone ter morrido ter morrido sem a ter
perdoado e a segunda por não ter vivido os momentos com seus filhos, depois de
os ter mandado para fora do país e por causa do seu afilhado (Jaime) que
mete-se em problemas, criando uma identidade duvidosa na zona.
O
que se pode aprender do filme é a constante reflexão da condição humano, seja
na forma como agimos ou como reagimos a certos estímulos. Com este filme quase
com um lado mais existencialista há tendências de perfurar na identidade dos
personagens que ao identificarem-se nos ambientes em que se encontram, vão
vivendo criticas por aqueles que os avaliam.
Quanto
a presença dos personagens do filme pode notar-se a existência de personagens
sem objectivos. Nesta linha de pensamento a realizadora (Margarida Cardoso)
justifica-se recorrendo-se a ideia de que Gabriel não tem nenhum objectivo no
filme, mas sai do inicio ao fim do filme porque apesar de a sua presença não
ser “necessária”, ele faz um papel de um anjo que representa um passado que
esteve com a mãe da investigara (sara) e aparece no hotel para falar com a
repórter (Rita). Este sentimentalismo carregado por Gabriel é justificado pela
realizadora ao afirmar que “mais do que ter uma função no filme, os personagens
devem ter uma emoção”, daí o facto de ela acreditar que “não há nada mais
horrível que fazer um filme funcional”.
Confrontada
com diversas reacções dos expectadores, Cardoso mergulha-se num mundo de viagem
cinematográfica para tentar justificar o porquê das pessoas agirem como elas
agem perante o filme, mas decide simplesmente dizer que “ não há filmes
perfeito. Mas temos que saber que nem toda gente gosta do que a gente faz”.
Mesmo
com um aspecto notório que tem a ver com a falta da trilha musical, o filme
consegue captar a atenção do expectador, fazendo-o viajar constantemente com os
personagens. Face a esta visível falta da trilha, Margarida Cardoso
justifica-se e diz que “Não se pôs música porque o pianista que estava a fazer
a trilha morreu um mês depois das filmagens e decidiu-se por deixar o filme
como está”. Na mesma versão, o filme aparece com falta de planos de corte que
segundo ela foram de certa forma propositada, na tentativa de trazer uma outra
viagem pela cinematografia e forma de criar os enredos.
Como
não se pode deixar de ver, o filme (do inicio ao fim) faz-se caracterizar com a
presença da água e do escuro, factores que para Cardoso servem para “exprimir a
presença da criança que morreu afogada no início do filme”.
Falando
de sua ligação com o filme, Margarida Cardoso diz que o filme faz parte de uma ligação
forte que tem com o país (Moçambique), facto que sustenta ao dizer que “ele
traz parte da minha investigação do passado. Tentei captar momentos em que
ainda existia gente presa nas ideologias, pessoas que não se interessavam com o
passado”, causa que provavelmente a fez declarar ter-se sentido satisfeita com
o espírito do filme ao dizer que “eu fui partilhar um sentimento do que é Moçambique,
desde o ambiente, seu reflexo da história, tensões que existiam no passado”.
Mas
toda aquela beldade e uma quase perfeita encenação não foi no seu todo
“divinal”, porque houve momentos em que a dificuldade foi mais forte que os poderia
ter feito duvidar. Nesta abordagem, numa prosa de conversa com o Director de Produção,
João Ribeiro, ficou a sensação do quanto o cinema ainda carece de indústria ou
mecanismos para a sua difusão, facto sustentado quando ele diz que “Os filmes
que nós fazemos não chegam as salas. As exibições são as melhores formas que ajudam
a sua difusão”.
Uma
outra aparente dificuldade estava ligada ao facto de “importação” de actores, o
que significava trabalhar-se dentro dos prazos, independentemente dos contratempos
que pudessem existir. Mas como sempre, quando há união, os frutos sempre são
dos melhores, João Ribeiro nos diz o porquê: “Para o filme sair bem tivemos que
fazer planeamento de tudo, os planos de rodagem e mais do que isso foi
necessária uma interacção e parceira entre os membros da equipe. Não foi um
filme fácil porque tivemos complicações financeiras”.
Em
forma de sinopse, pode-se dizer que Margarida tenta ressuscitar com o filme o
assassinato da Yvone e as constantes ondas de racismo, a elevada estima de Kane
ao tentar quebrar com as ondas das ondas populares para a criação de um Homem
novo, numa sociedade sem classes. Além do seu sentido de heroísmo, Yvone Kane demonstra-se
imbatível por aquela tendência em lutar por uma sociedade igualitária, através
do Destacamento Feminino onde foi comandante, muito antes de ser morta em
Londres onde viajara numa missão de serviço.
Importa
referir que na viagem a Londres, Yvone (uma ícone criado por Margarida Cardoso)
teria levado consigo um companheiro que teria ficado com alguns documentos
contento elevados segredos. E é mesmo tendo essa como uma das causas que surge
a Rita, uma investigadora incansável em querer saber do sucedido com a Yvone,
mas para isso teria que dedicar a sua vida e sua alma num mundo em que as
pessoas tinham medo de mexer com os assuntos ligados ao partido.
Rita
entra no filme, de forma activa, depois de regressar a África onde passou algum
tempo d sua infância. Nesse país, onde o progresso se constrói
sobre as ruínas de um passado violento, Rita reencontra a sua velha mãe, Sara,
uma mulher dura e solitária que viveu naquelas terras por muito tempo. Nas
peripécias das investigações da Rita, Sara perde a vida ainda naquela procura
incansável pelo sentido dos seus actos do presente e passado, marcada por uma
vida longa de solidão por ser ignorada por alguns que não a viam com bons
olhos.
O
filme “Yvone Kane”, com um orçamento
de um milhão de euros, conta com uma co-produção de Portugal, Brasil,
Moçambique e participações de: Beatriz Batarda, Irene Ravache, Samuel Malumbe, Francilia Jonaze,
Iva Mugalela, Mário Mabjaia, Ana Maria Pedro, Susan Danford, João Manja, Elliot
Alex, Ane Kirstine Jacobsen, Herman Jeusse, Maria Helena, Filipe António,
Aladino Jasse e Arlete Bombi.
Na realização e argumento: Margarida
Cardoso; Direcção de Fotografia: João Ribeiro (AIP); Direcção de Produção: João
Ribeiro; Produção: Filmes do Tejo II; Produtores: Maria
João Mayer & François d’Artemare ; Co-production: MPC& associados; Co-produtores:
Luciana Boal Marinho, Alberto Graça ; Apoio financeiro: ICA Instituto do Cinema
e Audiovisual (Portugal) Ancine (Brasil) RTP Rádio e Televisão de Portugal Programa
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Sérgio dos Céus Nelson
Sobre o autor do blog
Sérgio dos Céus Nelson
Communication Officer at Lúrio University Journalist. Freelancer. Activist of Human Rights. Photographer
Communication and information specialist. Journalist. Writer. Screenwriter. Researcher. Motivator. Volunteer.
Founder of the Association of Environmental and Human Rights Journalists - AJADH and the Literary Association of Arts and Culture of Mozambique (ALARCUMO).
Contact: (+258) 829683204 or 846065018/879877312
Skype: Sérgio dos Céus Nelson
Journalist with Honorable Mention in the International Prize for Human Rights Journalism, by the Association of Public Defenders of the State of Rio Grande do Sul (ADPERGS) - Brazil.