domingo, 13 de dezembro de 2015

Subida do dólar enfraquece o SSB


Foto: UNICEF


Dona Melinda Fernando é uma mãe igual a outras. De 72 anos de idade, sem forças para sonhar em candidatar-se a um trabalho no estado ou no privado, Melinda viu seu sonho de melhorar a vida romper-se depois do atropelamento de seu único filho em 2013. Desde lá até agora que vão vivendo de doações das vizinhanças e amigos que, ao identificar-se com a situação, fazem de tudo para passar por sua casa e deixar algo. Mas nem sempre a sorte é a mesma, porque há dias que nem dinheiro para comprar medicamentos de Orlando, seu filho, conseguem.

Assim como dona Melinda Fernando, que ainda não está cadastrada nos serviços de Subsídio social básico (SSB), muitas outras mães, avós, vão se colocando à própria sorte na esperança de que um dia a sorte mude e alguém lhes estenda a mão.
Confrontado com as dificuldades enfrentadas pela população, o Governo de Moçambique tem implementado diversos programas, desde o programa de Acção social directa, Subsidio social básico, PARPA, assim como a ratificação da Carta dos Direitos Sociais Fundamentais da SADC que visa priorizar em todos os programas e estratégias de desenvolvimento, os grupos mais vulneráveis da população, no intuito de melhorar a vida dos cidadãos.
Para Olívia Faite, Chefe do Departamento de Assistência Social do INAS - Sede, apesar dos diversos problemas enfrentados na área dos programas implementados pelo Instituto Nacional de Acção Social (INAS), a protecção social observou resultados significativos “porque conseguimos que todos anos se incrementasse o SSB, o que significa o compromisso cada vez maior do governo e dos parceiros”. Mas mesmo com tais compromissos, a área da protecção social continua a enfrentar dificuldades de diversas naturezas.
Falando sobre dificuldades do INAS, Faite diz que o que acontece é que o INAS tem trinta delegações nas capitais provinciais e distritos, “e nós, nos  Programas de subsídio social básico (PSSB) é que vamos ao campo e entregamos valores aos beneficiários”.
“Temos limitações dos transportes por sermos muitos técnicos, daí que precisamos ainda de acrescentar recursos humanos especializados na área de Acção social”, disse, acrescentando a necessidade de incremento do orçamento e dos recursos monetários.
Falando das dificuldades enfrentadas pelo INAS, Marcelo Kantu, Assistente de Direcção para área de monitoria e avaliação na AMODEFA e Psicólogo clínico, o PSSB precisa ser melhorado por forma a ter uma base de dados fiável, o que o leva a afirmar que “as formas como as coisas acontecem permitem campo de fuga e se pensar que são feitos os pagamentos enquanto não”.
Convicto dos desvios de fundos destinados aos PSSB, Kantu diz-se indignado pela forma como se tem agido face a situação.
“É duro ver o valor (baixo) que se paga e ver oportunistas a se aproveitarem desse valor”, declara.
Para Kantu é imperioso a revisão das bases de dados usadas pelo INAS, porque acredita que bases de dados melhoradas vão ajudar a saber quantos necessitam de atenção. Ele diz ainda que tem que se olhar na abordagem de formação dos técnicos na área da protecção social porque alguns não estão devidamente capacitados para atender a demanda dos trabalhos aos quais são incumbidos. Daí que ele defende a ideia de ser necessário ter-se uma abordagem sistémica de não só ajudar, mas arranjar outras formas de potenciar as formações.
Foto: IESE
Dados da 3ª avaliação da pobreza e do inquérito ao orçamento familiar (IOF) indicam grandes desafios no combate a pobreza, tendo em conta que nas zonas rurais 56,9% de pessoas vivem ainda abaixo da linha da pobreza, enquanto nas zonas urbanas os números indicam cerca de 49,6%.
Face a necessidade da luta contra a pobreza, o governo verificou avanços significativos ao nível do programa de subsídio social básico (SSB). Ora vejamos, em 2013 o agregado familiar beneficiado era de 287.637 comparado com 311.238 de 2014, o que mostra incremento na necessidade de expandir os serviços sociais. Ademais, no que tange as crianças beneficiadas, o PSSB alcançou em 2014 um número de 266.714 crianças comparado com cerca de 232.793 de 2013.
Dados do Ministério do Género, Criança e Acção Social indicam que a meta para o programa de trabalhos públicos rurais seria de cobrir um número maior da população em 2020 (cerca de 7,674,000 agregados familiares) e para o efeito, o ritmo da expansão seria de 15% em 2012, 25% em 2013 e 35% em 2014, tais percentagens que equivalem a 6%, 10% e 14% dos agregados familiares com capacidades para trabalhar em áreas rurais.
Com a aprovação em 2007 da Lei no 4/2007 de 7 de Fevereiro que estrutura a PS em três níveis, entre os quais o SSB, o Governo adoptou o Regulamento da Segurança Social Básica (Decreto no 85/2009 de 29 de Dezembro) que estabelece princípios e normas ao SSB.
Baseando-se nesta lei, a Chefe do Departamento de Assistência Social do INAS, Olívia Faite, ao fazer uma análise da influência da subida do dólar face ao SSB disse que o governo não vai fazer mudanças no SSB para fazer face a subida do dólar, pelo que explica que “Desde 2012 está aprovado pelo Conselho de Ministro que anualmente seria aumentado o SSB no mês de Janeiro de cada ano”.
Importa referir que o governo tem envidado esforços e de certa forma superado as metas esperadas na área da protecção social. Este facto pode ser sustentado nos dados de 2014 que indicam uma injecção de 1,462,978.35 Meticais vindos do orçamento do Estado (OE) dum valor geral para a área da PS de 1,607,284.03, o que significa que apesar de investimentos externos, o estado continua injectando mais fundos do que os seus parceiros.
Tendo em conta que a Estratégia Nacional de Segurança social Básica (2010-2014) deve ser reformulada, até porque diversos pontos não se puderam alcançar devido a diversas dificuldades, Faite explicou que por causa dos obstáculos enfrentados a quando da implementação daquela Estratégia “Fomos vendo o que melhorar nas condições sociais e fomos fazendo visitas nos países para ver como eles executam os serviços”.
Confrontado com reclamações de alguns cidadãos que dizem haver irregularidades na escolha de beneficiários devido a diversas ondas de corrupção ou escolha de conhecidos pelo menos na cidade de Maputo, entramos em contacto com o Porta-voz do INAS da Província de Maputo, Hélder Naene, para compreender os parâmetros usados na escolha de agregados familiares, ao que ele explica que a situação social do individuo é que determina o programa que vai ser integrado, pois segundo ele “ nem todo o individuo é elegível, pois deve satisfazer critérios de elegibilidade”. Explicando de forma mais aprofundada, Naene diz que o processo de escolha de beneficiários inicia no bairro através do “permanente”, figura que tem ligações com o INAS para facilitar o processo de candidatura dos beneficiários.
Fontes anonimas dizem ser muita das vezes o “permanente” (figura que faz a selecção de beneficiários) que destrói com a esperança de muitos de estarem cadastrados no Programa de Subsidio Social Básico (PSSB), pois afirmam que este por vezes pede comissão para que a sua “benevolência" se faça sentir, facto que infringe o Quadro legal de protecção social básica em Moçambique no seu Artigo 6º sobre o Direito a protecção social que determina que “os cidadãos tem direitos a protecção social, independentemente da raça, cor, sexo, origem étnica, religião, grau de parentesco, posição social, estado civil dos pais ou profissão”.
Ainda que seja revisto anualmente, é imperioso que se estabeleça um SSB digno aos agregados familiares, pois com os 310 meticais por agregado com um membro ou 350 meticais por para dois membros continua sendo insuficiente para resolver o problema da fome, nutrição, garantir a segurança alimentar que são alguns dos pontos dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM).
É mesmo por causa destas dificuldades que muitas famílias rompem o futuro de suas filhas, quando fazem delas fontes de rendimento, seja ao vendê-las a um senhor que as queira para casar (casamentos prematuros) ou ainda ao jogá-las na prostituição na Rua do Bagamio, outrora Rua Araújo, onde muitas crianças vão com parentes ou encarregados que controlam as suas actividades sexuais.
Desnutrição cronica
Apesar destas dificuldades que põem em risco muitas famílias necessitadas, as regalias continuam em pompa nos órgãos do Estado. Uma fonte de uma das bancadas da Assembleia da Republica garantiu-nos que um deputado recebe por volta de 4,500 meticais para medidas de custo diário para alimentação e hospedagem quando sai de visita as comunidades. Aliás, note-se que todo funcionário público tem este direito. Mas o caso talvez mais alarmante nota-se nos Directores de empresas, PCA's e administradores. Só o salário de um administrador pode chegar ao salário de cinco (5) deputados.
Sem sucesso tentamos falar com o departamento das finanças da Assembleia da Republica (AR) para esclarecer-nos sobre esta informação. Mas o que se nota é a tamanha disparidade entre as regalias do deputado que de certa forma põe em causa o Artigo 95 da Constituição da Republica de Moçambique (CRM) que diz no seu no 1 que “Todos os cidadãos têm direito à assistência em caso de incapacidade e na velhice”.
Uma apresentação de Rosimina Ali do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) feita em Maio de 2011 mostra que “os actuais sistemas de protecção social em Moçambique confronta-se com um paradoxo. Por um lado, os mecanismos de protecção social (PS) considerados influentes circunscrevem-se principalmente aos sistemas financeiros, por outro lado, o próprio sistema financeiro é em si precário, limitado e excludente”.
Importa referir que o OE injectou para implementação da proposta do ano fundos internos para o SSB orçados em mais de 44 milhões contra cerca de três milhões de meticais dos fundos externos. No seu todo o apoio social para este ano foi de mais de 31 milhões de meticais, segundo dados avançados pelo Porta-voz do INAS, Hélder Naene, valor este que continua a precisar de incremento, monitoria e fiscalização, olhando para a real situação de famílias que enterram filhos por elevados índices de desnutrição crónica e fome.

Na senda da abordagem de Olivia Faite, Mayke Huijbregts, Chefe da secção de protecção social da criança do UNICEF, fazendo uma análise do impacto da subida do dólar face ao SSB, diz que a subida do dólar por si não tem necessariamente impacto no valor do subsídio. O que poderá vir a ter um impacto significativo é o potencial aumento de preço dos produtos básicos. Mayke disse ser necessário reavaliar progressivamente o valor das transferências monetárias no sentido de aumentar o seu impacto positivo na vida dos beneficiários, pois ela acredita que “310 meticais não são suficientes. Estamos ainda em baixo a nível da transferência monetária”.
Para Mayke, partindo da ideia de que a PS é um programa do Governo para ajudar o cidadão necessitado, famílias sem capacidade de trabalhar, explica que o UNICEF “está, juntamente com outros parceiros, a apoiar o Governo no processo de melhoramento do sistema informático do INAS (com dados de todos os beneficiários) no sentido de se alcançar um sistema que seja mais eficiente, eficaz e transparente. Aliás, Mayke diz que a UNICEF tem estado a assegurar que o sistema esteja mais efectivo no campo, pois os programas não alcançam ainda todos os necessitados. Para além disso, o UNICEF apoia as organizações da sociedade civil no sentido de criar um maior conhecimento ao nível da protecção social. “Sendo a PS um instrumento para assegurar o desenvolvimento do capital humano impere inclusão de todos” explica
Para a Chefe da Secção de Protecção da criança da UNICEF, é necessário dar oportunidade as famílias pobres ao desenvolvimento, inserção na educação, saúde, segurança alimentar, vida digna, porque se o governo não investir, a população não vai se desenvolver bem dado que a PS é um instrumento indispensável para o desenvolvimento do país.
Convicta das fraquezas dos sistemas de Segurança social, Mayke destaca o facto de os fundos ainda não serem suficientes, pois muita gente não está abrangida pela PS. Mayke afirmou que, apesar de actualmente o sistema de Protecção Social reflectir um maior investimento nos idosos do que nas crianças, a nova Estratégia de Segurança Social Básica reflecte já uma maior preocupação e investimento nas crianças
“É necessário investir mais nas crianças pois elas é que vão garantir o desenvolvimento do país” explica, afirmando que Moçambique não pode se desenvolver com capital humano com uma elevada subnutrição crónica.

Foto: UNICEF
Concordando com Mayke, Olívia Faite do INAS diz que parece estar-se a dar mais prioridade aos idosos porque o programa que tem mais beneficiários é o SSB que é na sua maioria representado por idosos, tal programa que segundo Mayke está limitado no campo, distrito, delegações, onde pessoas reclamam pela falta de inclusão nestes programas, e “é por isso que a UNICEF quer fortalecer os sistemas do INAS para monitorar serviços da PS”.
Na tentativa de explicar a preocupação do INAS com as crianças, Faite diz que no programa acção social Directa o INAS dá um quite de assistência as crianças. Ademais, enquanto falava sobre as novas políticas a serem implementadas na nova Estratégia de Segurança Social Básica a ser aprovada pelo Conselho de Ministros, Faite disse que “nesta revisão da estratégia estamos a ver em que medida vamos apostar mais nas crianças”.
Convicta do facto da não inclusão de todos os cidadãos, Faite esclarece: “Temos estado em todos postos administrativos. É um desafio, mas ainda não alcançamos a todos. Começamos pela sede do distrito e vamos expandindo. Agora estamos a ver as províncias com maior índice de pobreza, pois quando definimos metas e orçamento temos sempre isso em conta em nossas prioridades”.
Dados avançados pelo INAS indicam avanços acelerados no SSB que teve cerca de 400 mil pessoas afectadas. Deste número, Faite declara que até Setembro deste ano já se tinha executado 69% do número, o que equivale a um investimento de mais de um milhão de meticais.
Em 2014, dos valores de transferências sociais para agregados com pessoas idosas, deficiente e doentes crónicos foram beneficiadas 649. 114 pessoas contra 508.828 crianças beneficiadas na componente de transferências monetárias para agregados com crianças órfãs e vulneráveis. Mas mesmo com esta disparidade, houve mudanças consideráveis no sector da segurança social básica, pois em 2005 dava-se mais enfase nos programas diferentemente de 2015 que dá maior enfase nos sistemas. Ademais, note-se que em 2005 havia baixa dotação orçamental para programas com apenas 0.16% do PIB, mas para 2015 a dotação orçamental para programas foi de 0.5% do PIB.
Visando mais inclusão da sociedade nos problemas ligados a PS o outrora Ministério da Mulher e Acção Social e hoje Ministério do Género, criança e Acção Social organizou pela primeira vez a semana de protecção social em 2012, com apoio da OIT e do UNICEF para que fosse uma oportunidade para participação pública em assuntos ligados a protecção social.
Devido a esta e outras politicas implementadas houve evolução dos agregados familiares beneficiários cobertos pelos programas do INAS de 167 mil pessoas de 2008 contra mais de 400 mil pessoas em 2014 e uma evolução significativa das dotações orçamentais para os programas do INAS com um aumento de 50% do PIB, tendo em conta que o ano de 2014 notou 0.50% contra os 0.21 de 2011.
Apesar destes números quase que convincentes, há muitos cidadãos que continuam a definhar nas localidades, bairros, distritos, na esperança de serem afectados pelos programas que vêem sendo implementados pelo Ministério do Género, criança e Acção Social através do INAS.
Enquanto isso, a crescente subida do dólar vai se fazendo sentir no elevado custo de vida, nos produtos vendidos e automaticamente na incapacidade dos utentes, que mesmo sendo beneficiários do SSB, vão notando défice na gestão do valor, que ainda mostra-se deficitário

Sérgio dos Céus Nelson
“Reportagem”

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Frente aos factos

Sobre o autor do blog

Sérgio dos Céus Nelson

Communication Officer at Lúrio University Journalist. Freelancer. Activist of Human Rights. Photographer

Communication and information specialist. Journalist. Writer. Screenwriter. Researcher. Motivator. Volunteer.

Founder of the Association of Environmental and Human Rights Journalists - AJADH and the Literary Association of Arts and Culture of Mozambique (ALARCUMO).

Contact: (+258) 829683204 or 846065018/879877312

Skype: Sérgio dos Céus Nelson

Journalist with Honorable Mention in the International Prize for Human Rights Journalism, by the Association of Public Defenders of the State of Rio Grande do Sul (ADPERGS) - Brazil.

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