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Foto: UNICEF |
Dona
Melinda Fernando é uma mãe igual a outras. De 72 anos de idade, sem forças para
sonhar em candidatar-se a um trabalho no estado ou no privado, Melinda viu seu
sonho de melhorar a vida romper-se depois do atropelamento de seu único filho
em 2013. Desde lá até agora que vão vivendo de doações das vizinhanças e amigos
que, ao identificar-se com a situação, fazem de tudo para passar por sua casa e
deixar algo. Mas nem sempre a sorte é a mesma, porque há dias que nem dinheiro
para comprar medicamentos de Orlando, seu filho, conseguem.
Assim
como dona Melinda Fernando, que ainda não está cadastrada nos serviços de Subsídio
social básico (SSB), muitas outras mães, avós, vão se colocando à própria sorte
na esperança de que um dia a sorte mude e alguém lhes estenda a mão.
Confrontado
com as dificuldades enfrentadas pela população, o Governo de Moçambique tem
implementado diversos programas, desde o programa de Acção social directa,
Subsidio social básico, PARPA, assim como a ratificação da Carta dos Direitos
Sociais Fundamentais da SADC que visa priorizar em todos os programas e
estratégias de desenvolvimento, os grupos mais vulneráveis da população, no
intuito de melhorar a vida dos cidadãos.
Para
Olívia Faite, Chefe do Departamento de Assistência Social do INAS - Sede,
apesar dos diversos problemas enfrentados na área dos programas implementados
pelo Instituto Nacional de Acção Social (INAS), a protecção social observou
resultados significativos “porque conseguimos que todos anos se incrementasse o
SSB, o que significa o compromisso cada vez maior do governo e dos parceiros”.
Mas mesmo com tais compromissos, a área da protecção social continua a
enfrentar dificuldades de diversas naturezas.
Falando
sobre dificuldades do INAS, Faite diz que o que acontece é que o INAS tem trinta
delegações nas capitais provinciais e distritos, “e nós, nos Programas de subsídio
social básico (PSSB) é
que vamos ao campo e entregamos valores aos beneficiários”.
“Temos
limitações dos transportes por sermos muitos técnicos, daí que precisamos ainda
de acrescentar recursos humanos especializados na área de Acção social”, disse,
acrescentando a necessidade de incremento do orçamento e dos recursos
monetários.
Falando
das dificuldades enfrentadas pelo INAS, Marcelo Kantu, Assistente de Direcção
para área de monitoria e avaliação na AMODEFA e Psicólogo clínico, o PSSB precisa ser melhorado por forma
a ter uma base de dados fiável, o que o leva a afirmar que “as formas como as
coisas acontecem permitem campo de fuga e se pensar que são feitos os
pagamentos enquanto não”.
Convicto
dos desvios de fundos destinados aos PSSB, Kantu diz-se indignado pela forma
como se tem agido face a situação.
“É
duro ver o valor (baixo) que se paga e ver oportunistas a se aproveitarem desse
valor”, declara.
Para
Kantu é imperioso a revisão das bases de dados usadas pelo INAS, porque acredita
que bases de dados melhoradas vão ajudar a saber quantos necessitam de atenção.
Ele diz ainda que tem que se olhar na abordagem de formação dos técnicos na
área da protecção social porque alguns não estão devidamente capacitados para
atender a demanda dos trabalhos aos quais são incumbidos. Daí que ele defende a
ideia de ser necessário ter-se uma abordagem sistémica de não só ajudar, mas
arranjar outras formas de potenciar as formações.
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Foto: IESE |
Dados
da 3ª avaliação da pobreza e do inquérito ao orçamento familiar (IOF) indicam
grandes desafios no combate a pobreza, tendo em conta que nas zonas rurais
56,9% de pessoas vivem ainda abaixo da linha da pobreza, enquanto nas zonas urbanas
os números indicam cerca de 49,6%.
Face
a necessidade da luta contra a pobreza, o governo verificou avanços
significativos ao nível do programa de subsídio social básico (SSB). Ora
vejamos, em 2013 o agregado familiar beneficiado era de 287.637 comparado com
311.238 de 2014, o que mostra incremento na necessidade de expandir os serviços
sociais. Ademais, no que tange as crianças beneficiadas, o PSSB alcançou em 2014 um número de 266.714 crianças comparado
com cerca de 232.793 de 2013.
Dados
do Ministério do Género, Criança e Acção Social indicam que a meta para o
programa de trabalhos públicos rurais seria de cobrir um número maior da população em
2020 (cerca de 7,674,000 agregados familiares) e para o efeito, o ritmo da
expansão seria de 15% em 2012, 25% em 2013 e 35% em 2014, tais percentagens que
equivalem a 6%, 10% e 14% dos agregados familiares com capacidades para
trabalhar em áreas rurais.
Com
a aprovação em 2007 da Lei no 4/2007 de 7 de Fevereiro que estrutura
a PS em três níveis, entre os quais o SSB, o Governo adoptou o Regulamento da
Segurança Social Básica (Decreto no 85/2009 de 29 de Dezembro) que
estabelece princípios e normas ao SSB.
Baseando-se
nesta lei, a Chefe do Departamento de Assistência Social do INAS, Olívia Faite,
ao fazer uma análise da influência da subida do dólar face ao SSB disse que o
governo não vai fazer mudanças no SSB para fazer face a subida do dólar, pelo
que explica que “Desde 2012 está aprovado pelo Conselho de Ministro que
anualmente seria aumentado o SSB no mês de Janeiro de cada ano”.
Importa
referir que o governo tem envidado esforços e de certa forma superado as metas
esperadas na área da protecção social. Este facto pode ser sustentado nos dados
de 2014 que indicam uma injecção de 1,462,978.35 Meticais vindos do orçamento
do Estado (OE) dum valor geral para a área da PS de 1,607,284.03, o que
significa que apesar de investimentos externos, o estado continua injectando
mais fundos do que os seus parceiros.
Tendo
em conta que a Estratégia Nacional de Segurança social Básica (2010-2014) deve
ser reformulada, até porque diversos pontos não se puderam alcançar devido a
diversas dificuldades, Faite explicou que por causa dos obstáculos enfrentados
a quando da implementação daquela Estratégia “Fomos vendo o que melhorar nas
condições sociais e fomos fazendo visitas nos países para ver como eles
executam os serviços”.
Confrontado
com reclamações de alguns cidadãos que dizem haver irregularidades na escolha
de beneficiários devido a diversas ondas de corrupção ou escolha de conhecidos
pelo menos na cidade de Maputo, entramos em contacto com o Porta-voz do INAS da
Província de Maputo, Hélder Naene, para
compreender os parâmetros usados na escolha de agregados familiares, ao que ele
explica que a situação social do individuo é que determina o programa que vai
ser integrado, pois segundo ele “ nem todo o individuo é elegível, pois deve
satisfazer critérios de elegibilidade”. Explicando de forma mais aprofundada,
Naene diz que o processo de escolha de beneficiários inicia no bairro através
do “permanente”, figura que tem ligações com o INAS para facilitar o processo de
candidatura dos beneficiários.
Fontes
anonimas dizem ser muita das vezes o “permanente” (figura que faz a selecção de
beneficiários) que destrói com a esperança de muitos de estarem cadastrados no Programa de Subsidio Social Básico (PSSB),
pois afirmam que este por vezes pede comissão para que a sua
“benevolência" se faça sentir, facto que infringe o Quadro legal de
protecção social básica em Moçambique no seu Artigo 6º sobre o Direito a
protecção social que determina que “os cidadãos tem direitos a protecção
social, independentemente da raça, cor, sexo, origem étnica, religião, grau de
parentesco, posição social, estado civil dos pais ou profissão”.
Ainda
que seja revisto anualmente, é imperioso que se estabeleça um SSB digno aos
agregados familiares, pois com os 310 meticais por agregado com um membro ou 350
meticais por para dois membros continua sendo insuficiente para resolver o
problema da fome, nutrição, garantir a segurança alimentar que são alguns dos
pontos dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM).
É
mesmo por causa destas dificuldades que muitas famílias rompem o futuro de suas
filhas, quando fazem delas fontes de rendimento, seja ao vendê-las a um senhor
que as queira para casar (casamentos prematuros) ou ainda ao jogá-las na
prostituição na Rua do Bagamio, outrora Rua Araújo, onde muitas crianças vão
com parentes ou encarregados que controlam as suas actividades sexuais.
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Desnutrição cronica |
Apesar
destas dificuldades que põem em risco muitas famílias necessitadas, as regalias
continuam em pompa nos órgãos do Estado. Uma fonte de uma das bancadas da
Assembleia da Republica garantiu-nos que um deputado recebe por volta de 4,500 meticais
para medidas de custo diário para alimentação e hospedagem quando sai de visita
as comunidades. Aliás, note-se que todo funcionário público tem este direito.
Mas o caso talvez mais alarmante nota-se nos Directores de empresas, PCA's e
administradores. Só o salário de um administrador pode chegar ao salário de cinco (5) deputados.
Sem
sucesso tentamos falar com o departamento das finanças da Assembleia da
Republica (AR) para esclarecer-nos sobre esta informação. Mas o que se nota é a
tamanha disparidade entre as regalias do deputado que de certa forma põe em
causa o Artigo 95 da Constituição da Republica de Moçambique (CRM) que diz no
seu no 1 que “Todos os cidadãos têm direito à assistência em caso de
incapacidade e na velhice”.
Uma apresentação de Rosimina Ali
do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) feita em Maio de 2011 mostra
que “os actuais sistemas de protecção social em Moçambique confronta-se com um
paradoxo. Por um lado, os mecanismos de protecção social (PS) considerados
influentes circunscrevem-se principalmente aos sistemas financeiros, por outro
lado, o próprio sistema financeiro é em si precário, limitado e excludente”.
Importa
referir que o OE injectou para implementação da proposta do ano fundos internos
para o SSB orçados em mais de 44 milhões contra cerca de três milhões de meticais
dos fundos externos. No seu todo o apoio social para este ano foi de mais de 31
milhões de meticais, segundo dados avançados pelo Porta-voz do INAS, Hélder
Naene, valor este que continua a precisar de incremento, monitoria e
fiscalização, olhando para a real situação de famílias que enterram filhos por
elevados índices de desnutrição crónica e fome.
Na
senda da abordagem de Olivia Faite, Mayke Huijbregts, Chefe da secção de
protecção social da criança do UNICEF, fazendo uma análise do impacto da subida
do dólar face ao SSB, diz que a subida do dólar por si não tem necessariamente
impacto no valor do subsídio. O que poderá vir a ter um impacto significativo é
o potencial aumento de preço dos produtos básicos. Mayke disse ser necessário
reavaliar progressivamente o valor das transferências monetárias no sentido de
aumentar o seu impacto positivo na vida dos beneficiários, pois ela acredita
que “310 meticais não são suficientes. Estamos ainda em baixo a nível da
transferência monetária”.
Para
Mayke, partindo da ideia de que a PS é um programa do Governo para ajudar o
cidadão necessitado, famílias sem capacidade de trabalhar, explica que o UNICEF
“está, juntamente com outros parceiros, a apoiar o Governo no processo de
melhoramento do sistema informático do INAS (com dados de todos os
beneficiários) no sentido de se alcançar um sistema que seja mais eficiente,
eficaz e transparente. Aliás, Mayke diz que a UNICEF tem estado a assegurar que
o sistema esteja mais efectivo no campo, pois os programas não alcançam ainda
todos os necessitados. Para além disso, o UNICEF apoia as organizações da
sociedade civil no sentido de criar um maior conhecimento ao nível da protecção
social. “Sendo a PS um instrumento para assegurar o desenvolvimento do capital
humano impere inclusão de todos” explica
Para
a Chefe da Secção de Protecção da criança da UNICEF, é necessário dar
oportunidade as famílias pobres ao desenvolvimento, inserção na educação,
saúde, segurança alimentar, vida digna, porque se o governo não investir, a
população não vai se desenvolver bem dado que a PS é um instrumento indispensável para o desenvolvimento do país.
Convicta
das fraquezas dos sistemas de Segurança social, Mayke destaca o facto de os
fundos ainda não serem suficientes, pois muita gente não está abrangida pela PS.
Mayke afirmou que, apesar de actualmente o sistema de Protecção Social
reflectir um maior investimento nos idosos do que nas crianças, a nova Estratégia
de Segurança Social Básica reflecte já uma maior preocupação e investimento nas
crianças
“É
necessário investir mais nas crianças pois elas é que vão garantir o
desenvolvimento do país” explica, afirmando que Moçambique não pode se
desenvolver com capital humano com uma elevada subnutrição crónica.
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Foto: UNICEF |
Concordando com Mayke, Olívia Faite do INAS diz que parece estar-se a dar
mais prioridade aos idosos porque o programa que tem mais beneficiários é o SSB
que é na sua maioria representado por idosos, tal programa que segundo Mayke
está limitado no campo, distrito, delegações, onde pessoas reclamam pela falta
de inclusão nestes programas, e “é por isso que a UNICEF quer fortalecer os
sistemas do INAS para monitorar serviços da PS”.
Na
tentativa de explicar a preocupação do INAS com as crianças, Faite diz que no
programa acção social Directa o INAS dá um quite de assistência as crianças.
Ademais, enquanto falava sobre as novas políticas a serem implementadas na nova
Estratégia de Segurança Social Básica a ser aprovada pelo Conselho de Ministros,
Faite disse que “nesta revisão da estratégia estamos a ver em que medida vamos
apostar mais nas crianças”.
Convicta
do facto da não inclusão de todos os cidadãos, Faite esclarece: “Temos estado
em todos postos administrativos. É um desafio, mas ainda não alcançamos a
todos. Começamos pela sede do distrito e vamos expandindo. Agora estamos a ver
as províncias com maior índice de pobreza, pois quando definimos metas e orçamento
temos sempre isso em conta em nossas prioridades”.
Dados
avançados pelo INAS indicam avanços acelerados no SSB que teve cerca de 400 mil
pessoas afectadas. Deste número, Faite declara que até Setembro deste ano já se
tinha executado 69% do número, o que equivale a um investimento de mais de um
milhão de meticais.
Em
2014, dos valores de transferências sociais para agregados com pessoas idosas,
deficiente e doentes crónicos foram beneficiadas 649. 114 pessoas contra
508.828 crianças beneficiadas na componente de transferências monetárias para
agregados com crianças órfãs e vulneráveis. Mas mesmo com esta disparidade,
houve mudanças consideráveis no sector da segurança social básica, pois em 2005
dava-se mais enfase nos programas diferentemente de 2015 que dá maior enfase
nos sistemas. Ademais, note-se que em 2005 havia baixa dotação orçamental para
programas com apenas 0.16% do PIB, mas para 2015 a dotação orçamental para
programas foi de 0.5% do PIB.
Visando
mais inclusão da sociedade nos problemas ligados a PS o outrora Ministério da
Mulher e Acção Social e hoje Ministério do Género, criança e Acção Social
organizou pela primeira vez a semana de protecção social em 2012, com apoio da
OIT e do UNICEF para que fosse uma oportunidade para participação pública em
assuntos ligados a protecção social.
Devido
a esta e outras politicas implementadas houve evolução dos agregados familiares
beneficiários cobertos pelos programas do INAS de 167 mil pessoas de 2008
contra mais de 400 mil pessoas em 2014 e uma evolução significativa das
dotações orçamentais para os programas do INAS com um aumento de 50% do PIB,
tendo em conta que o ano de 2014 notou 0.50% contra os 0.21 de 2011.
Apesar
destes números quase que convincentes, há muitos cidadãos que continuam a
definhar nas localidades, bairros, distritos, na esperança de serem afectados
pelos programas que vêem sendo implementados pelo Ministério do Género, criança e Acção
Social através do INAS.
Enquanto isso, a crescente subida do dólar vai se fazendo sentir no elevado custo de vida, nos produtos vendidos e automaticamente na incapacidade dos utentes, que mesmo sendo beneficiários do SSB, vão notando défice na gestão do valor, que ainda mostra-se deficitário.
Sérgio dos Céus Nelson
“Reportagem”