domingo, 13 de dezembro de 2015

“Temos que acarinhar a justiça para que a sociedade se sinta segura” - Iveth

Foto: Sapo


Iveth Rosária Mafundza Marlene, mais conhecida por Iveth, é uma cantora moçambicana que destaca-se pelo género musical ao que abraçou, o Hip Hop, onde começou a sua carreira em 2001 com “The beat Crew”, seguindo a carreira solo em 2005, altura em que ganhou a aclamação para o seu single de estreia “Erga-te e seja Feliz”. Iveth vem fazendo seus trabalhos com a gravadora Cotonete Records. Ela é também conhecida como Nkosikazi.
Com o intuito de saber mais sobre o seu percurso musical e profissional na área jurídica, entrei em contacto com a cantora para se inteirar sobre os seus projectos, ideias e conceitos sobre a forma como a sociedade tem olhado para o seu percurso.

A entrevista tem duas perspectivas. Uma que é musical e a outra que é na área jurídica. Pode nos dizer quando entra na música e quais foram as influências?
IVETH MAFUNDZA (IM): Em temos musicais sempre tive essa vontade desde mais nova, dentro da família. Uma família que escutava muita música. Lembro-me muito bem quando meu falecido pai trabalhava nas minas, altura em que trazia muita música e para além de quando mais nova ter sido uma boa dançarina. Com o andar do tempo fui perdendo os meus dotes de dança, mas daí fui colhendo outro tipo de dotes. Os dotes líricos. E assim na adolescência me defini no hip hop.

Em termos de influências devo destacar o “Masseve”, a música sul-africana e internacional. Mas acima de tudo devo mencionar a literatura, porque esta parte literária influenciou muito no meu liricismo. Em termos de pessoas gostava de ouvir Lauryn Hill, Wu-tang Clan, Nas. Em termos tracionais foi Mingas, Wazimbo, Brenda, assim como Michael Jackson.

Porque a escolha do hip hop como alternativa musical. Tinha uma figura a quem tanto se inspirava?

IM: Sim, Lauryn Hill, que era a figura que tanto me inspirava, me inspira ate agora, que tinha em conta uma jovem bastante inteligente, com um liricismo e uma forma de ser e estar bastante proactiva. Ela falava de aspectos sociais actuais, e tinha uma aveia crítica muito forte. Ela adorava as suas composições e produzia as suas próprias músicas, cantora, compositora, rap, produtora, mãe. Ela era uma pessoa completa. Talvez pela sua luta, significado do hip hop em si e que traz consigo toda história do ser negro, as dificuldades. A parte boa e a parte má, desde os estados unidos e no mundo a fora. Com o Gabriel Pensador, Black Company de Portugal, Boss Ac, os SSP.

É possível viver-se da música em Moçambique?

IM: Não. Eu não vivo de musica, mas resisto na musica por amor a camisola. A maior causa disto é falta de música musical. A indústria que existe é baseada em favoritismo, de amiguismo, ou seja onde os melhores sobressaem. Falo daqueles que são apontados por terem um bom talento, apesar de não se refletir no seu sucesso. O exemplo disso é a Banda Kakana que é um talento incrível de sucesso considerável. Mas é um caso raro.

Não podemos viver da música porque não há industria música, apoio para os artistas e porque pessoas apoiam amigos, interesses e não a cultura moçambicana em si.

O Hip hop continuam com a imagem que “negativa” nos olhos de alguns que o consideram de má influência, acabando por se associar a consumos de drogas e bandidagem. Que visão dá a este cenário? Como desmitificar este pensamento?

IM: A pessoa que pensa assim deve ler. E daí vai saber o que o hip hop significa e porque tem muitos intelectuais a praticarem este género musical. O hip hop é como o Jardim do Éden que no meio encontramos a macieira do mal. Encontramos a parte positiva e negativa, assim como na vida existe boa e má gente. Se olhamos o hip hop desde as origens vamos ver movimentações dos movimentos negros contra as escravaturas e na perspetiva da revolução social.

Quanto a comercialização da música

Não podemos comparar o hip hop com o pandza. Porque tem perspectivas diferentes. Primeiro porque pandza é feito para dançar e num tempo vai perdendo a fama ou actualidade, diferente do hip hop que ainda que seja de longo tempo atrás continua ser escutado por muitas pessoas e continua com influencias sobre a vida dos que o escutam.

Que assuntos mais destaca nas suas músicas?

IM: Não tenho preferências por alguns factos. O facto de ser um assunto diferente é muito bom em termos de criatividade. A seguir, o facto de falarmos de hip hop de intervenção social os temas surgem com a dinâmica da sociedade. A sociedade é que traz temas para mim e eu os devolvo para a sociedade. Descobri que sou romântica, não sabia. Quando escrevo sobre amor sou muito detalhista. O que escrevo é sobre a dinâmica dos povos em geral.

O que despertou esse lado romântico que não o conhecia?

IM: Os rappers, principalmente na minha vertente não falavam muito de amor. Naqueles tempos, 1990-2000 os rappers não falavam muito de amor, ou seja não era frequente encontrar num álbum três a quatro músicas falando de amor. Foi daí que apareceu o LL Cool J que desvirtuou tudo isso quando escrevia músicas para as músicas, tendo em conta o seu nome LL Cool J que dizia Ladies Love Cool J. era só amor que ele retratava. Apesar de não escrever muita música no hip hop eu escrevia muito amor na poesia.

Que relação estabelece entre a música hip hop moçambicana com outros países lusófonos, entre outros?

IM: A música moçambicana (hip hop) é tido como o melhor hip hop da lusofonia, apesar de em termos de desenvolvimento não ter muito apoio. Se olharmos o Afro Man, Gabriel Pensador, SSP, eram catapultado de forma incrível, assim como Azagaia. Mas isso não é algo constante ou referente. Enquanto outros países levantam sua cultura através da música, nós não fazemos o mesmo. Temos talento desperdiçado. Temos tudo para dar certo.

Não acredita que está na hora de a comunidade de hip hop criar mecanismos de expandir mais a sua música através de uma associação que melhore seja o nível de comercialização da música, assim como para conciliar as atividades dos Mc’s?

IM: Já foi pensado, só falta consolidar. O Hélder Leonel é um dos que eventualmente tenha falado sobre isso, mas infelizmente não temos atenções totalmente viradas a música. A música não dá dinheiro e n os precisamos sobreviver. E isso as vezes desvirtua o movimento que pode nascer no hip hop.

É jurista. Pode nos contar como é sua rotina?
IM: Nesta carreira não há rotina. Há surpresas todos dias. Isso requer muita concentração. Não é fácil porque muitas vezes vemos muita injustiça, torturas, assassinatos que nós encarnamos as dores muitas vezes. Isso não é aconselhável, mas há vezes que não há como evitar. Esta é muita área que exige muito.
Como é fazer hip hop e hip hop ao mesmo tempo. Usa a área jurídica para influenciar o hip hop?
IM: Esse é um ponto certo da moeda. Isto porque uso o hip hop para influenciar a área jurídica para influenciar o hip hop. Para fazer uma música, as vezes a matéria usada provem do meu trabalho como jurista. Outro aspecto é que faço consultorias na área de direitos humanos, e nestes trabalhos que faco de consultoria legas, as crianças, jovem, não vê Iveth jurista, mas a cantora. Mas arranjo espaço para que tenham em conta a profissão que estou a executar naquele momento. Mas há momentos em que a área jurídica influencia negativamente no hip hop, porque há vezes em que vou aos espetáculos e me chamam doutora, o que faz com que eu não tenha grande aproximação com eles nesse momento.
Estando em duas áreas diferentes, tendo em conta que muitos podem criticar por estar numa área tida como de maior responsabilidade, que é a área jurídica e em contra partida estar numa área que é considerada de má influência. Como consegue resistir e superar a acertos comentários?
IM: Isso é pequenez. O que se quer não é saber que sou cantora quando estou na área jurídica, mas sim saber se faço bem ou mal o meu trabalho como jurista. As pessoas utilizam este argumento para tirar benefício. Isso é negativo, e mais, se tenho capacidade de estar nas duas áreas significa que tenho capacidade para tal. Se olhamos para a história encontramos Pitágoras, Sócrates que eram muita coisa ao mesmo tempo. Não que esteja a me por a esse nível, mas isso não significa que eu não possa fazer as coisas que eu gosto. Há vezes que colegas da área jurídica que me criticam por isso, mas não me importa, assim como colegas do hop hop me poem como doutora, isso não me interessa.
Não há casos em que a área musical intercepta a área jurídica. Ter que fazer um Show e atender um caso ao mesmo tempo?
IM: Não. Isto porque os shows acontecem normalmente no fim do dia, ou nos fins-de-semana, enquanto na área jurídica os casos são tratados no período laboral.
Olhando para a área dos direitos humanos. Quais maiores dificuldades enfrentadas pelo país, e como colmatar?
IM: Falta de independência dos órgãos de administração de justiça. Há muita tortura. A tortura. A tortura é algo institucionalizado. Ainda hoje recebi caso de 8-12 anos “chamboqueados”pela polícia. Há falta de cultura de direitos. Mas acima de tudo sobre direitos humanos. A polícia trabalha 24 horas, e dia seguinte deve estar de novo la, a pé com falta de meios, se estiver de carro com falta de combustível e com salários defeituosos, apesar de fazerem um trabalho incrível. Temos que acarinhar a justiça para que a sociedade se sinta segura. Isso dificilmente acontece, porque quando vejo um polícia me preocupo em ter B.I (Bilhete de Identidade) com medo de ir preso. 

Sérgio dos Céus Nelson

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Frente aos factos

Sobre o autor do blog

Sérgio dos Céus Nelson

Communication Officer at Lúrio University Journalist. Freelancer. Activist of Human Rights. Photographer

Communication and information specialist. Journalist. Writer. Screenwriter. Researcher. Motivator. Volunteer.

Founder of the Association of Environmental and Human Rights Journalists - AJADH and the Literary Association of Arts and Culture of Mozambique (ALARCUMO).

Contact: (+258) 829683204 or 846065018/879877312

Skype: Sérgio dos Céus Nelson

Journalist with Honorable Mention in the International Prize for Human Rights Journalism, by the Association of Public Defenders of the State of Rio Grande do Sul (ADPERGS) - Brazil.

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