|
Foto: Sérgio dos Ceus Nelson
|
- Nilza Chipe
A necessidade
da luta pela igualdade do género é um compromisso do estado moçambicano, após
ratificar o protocolo da SADC que estabelece nos seus artigos a necessidade da
igualdade do género, empoderamento da mulher, assim como a sua participação na
governação, vida política e nas tomadas de decisão.
Face ao
cenário que se vive, em que um dos maiores anseios do barómetro do protocolo da
SADC é até 2015 atingir a igualdade do género (50/50), em conversa com Nilza
Chipe, procurei perceber as novas tendências do Fórum mulher na luta
pela conquista da igualdade e rotura com diversos estereótipos seja a nível
familiar, social, organizacional com vista a criar uma sociedade mais
inclusiva, democrática e que respeite os princípios do respeito pela igualdade.
Porque é tao
importante a luta pela igualdade do género?
Ela é importante porque para nós começarmos a discutir e
falar da igualdade é porque sentimos que há desigualdade entre mulheres e
homens, isto por causa da forma que a nossa sociedade é estruturada e da forma
como as relações entre homens e mulheres são construídas socialmente. E é ai
que estamos realmente a falar do género que é uma construção social de atribuir
certo papel ou valor a alguém pela sua condição ou pelo que representa (homem
ou mulher).
A forma como a sociedade foi contruída colocou os homens
no centro do poder de decisão, aparição no espaço público. O s homens e que iam
trabalhar, dirigiam, tinham acesso a educação, formação, e a mulher era dada um
papel de cuidar dos filhos e da casa, isolada, num espaço meramente doméstico,
enquanto os homens tinham mais acesso ao espaço público. Naturalmente que isto começou
a criar desigualdades na forma como concebemos as formas de viver em sociedade,
o que é resultado de um problema estrutural, que é o patriarcado, modelo de
organização da sociedade que coloca os homens sempre em cima das mulheres. Por
isso que é importante discutir a igualdade porque o que nós queremos é desafiar
as relações de poderes desiguais, olhando para onde o problema é mais
expressivo. Aliás, estas relações de poder desiguais limitam o alcance de
direitos humanos da s mulheres.
Falando exactamente
dos estereótipos contra a mulher na esfera social, desde as oportunidades de
empregabilidade, saúde, educação, quais são os desafios e metas do Fórum Mulher
com vista a ultrapassar estas problemáticas?
Nós trabalhamos em várias perspectivas. Temos uma
entidade de advocacia, onde um dos focos principais são as políticas de
advocacia públicas. Mas também provocar transformações na própria sociedade, abrindo
desta forma discussões em torno destas problemáticas.
Nós vamos desafiar as políticas publicas, instituições no
âmbito da igualdade do género, atitudes de liderança, mas tem uma questão fundamental
que vamos trabalhar nela para podermos concorrer para estarmos próximos da
igualdade, que é a questão da
desconstrução da cultura, porque tudo que acontece na nossa frente tem
muito a ver com a forma como a cultura vai se manifestando nas nossas vidas,
assim como na forma como as politicas publicas são implementadas, olhando para
a perspectiva cultural, analisando a forma como as instituições funcionam na
base da cultura. As lideranças políticas, públicas e comunitárias vão funcionar
mais sob influenciada cultura.
Como exemplo podemos falar da ideia de termos que
legalizar a vestimenta da mulher, ou seja, definir como deve ser o vestuário da
mulher, limitando-a de por saias curtas, ou não andar de alças. Isto esta a
determinar o funcionamento das instituições onde as mulheres são impostas
regras caso apareçam de alças. Mas o caso mais grave é quando as mulheres vão a
esquadra depois de sofrer violência querendo meter queixa. Por vezes são
mandadas regressar á casa para mudarem de vestuário, assim como o cenário que
se vive nos hospitais em que mulheres que quando se dirigem de alças querendo
pesar o seu bebé são negadas o direito.
Quais ao os
tipos de descriminação contra a mulher mais predominantes na nossa sociedade?
Não acredito que a descriminação seja um problema da sociedade,
mas temos que casos graves e flagrantes. O facto de termos ainda várias mentes
conduzidas sob uma perspectiva daquilo que é influência da cultura, faz com que
tenhamos raparigas de 8-10 submetidas a ritos de iniciação, onde são dotadas de
informação não adequada para a sua idade. Como exemplo a iniciação sexual, como
tratar um homem no acto sexual, o que não são informações sãs para uma criança.
E daí a situação de se acreditar que uma criança que sai do rito esta pronta
para se casar. Estamos numa sociedade onde por causa destas situações, as
mulheres ainda não tem poder de decisão sobre a sua sexualidade, se querem ou
não ter filhos. O que se pode notar nalgumas localidades onde mulheres chegam a
ter 10 filhos, o que não implica necessariamente que tenha sido sua escolha.
Mas porque ela não tem poder de decisão, isto por falta de um mecanismo que
ajude as mulheres a planearem a reprodução. Não o planeamento familiar, mas o
poder de decidir se querem ou quando ter filhos.
São várias formas de descriminação sofridas pelas
mulheres. O facto de termos leis que nos protejam, por exemplo a lei da violência
domestica, a lei de terras que confere direitos iguais a mulheres e homens, nós
sabemos que no nosso país a economia das mulheres está essencialmente ligada a
terra, porque 80% está a praticar a agricultura. Entretanto, a maior parte das
mulheres não tem, controlo sobre este recurso. Nós não temos a propriedade
sobre a terra e olhando para o contexto do país onde grandemente temos a
entrada de vários projectos que usam extensões largas de terra, o que significa
remover algumas comunidades das suas terras, muita das vezes não se questiona
as mulheres por exemplo qual é a sua perceção com relação ao processo, assim
como a influência que isso pode ter. E ainda, não se questiona as mulheres
sobre as formas de reassenta-las considerando as suas necessidades.
Se nós temos acesso a reassentamento onde o acesso a água
é limitado, naturalmente quem vai sofrer mais são as raparigas, pela conceção
que se tem de que são as mulheres que devem cartar a água, o que muita das
vezes implica não ir a escola para atender as tarefas domesticas.
Somos um país alvo de desastres naturais constantemente,
o que influencia na “responsabilidade” de cuidar das coisas caso o marido não
esteja, assim como tomar conta dos filhos.
Acha que a
nossa legislação tem tido um papel preponderante na luta contra as desigualdades
e na promoção dos direitos humanos e igualdade do género?
Nós temos avanços excecionais em termos de instrumentos
nacionais e regionais, protocolo do género da SADC, lei de proteção dos
direitos da criança, contra a violência domestica que colocam em questão a
igualdade. Mas a igualdade tem que se traduzir no funcionamento das
instituições e na sua implementação. Olhando para a lei da violência doméstica,
temos casos em que na esquadra não se implementa tal lei da violência, isto
porque muita das vezes notam-se casos em que uma mulher que sofre violência quando
mete a queixa e vai ao julgamento perguntam ao marido porque bateu na mulher.
Ele afirmando que bateu na mulher porque saiu de casa sem avisar, e o juiz
pergunta a mulher se não sabe que ao sair de casa deve despedir ao marido
quando sai. Quer dizer, estamos a falar duma pessoa que sabe das leis, mas está
sob influência de questões culturais, o que fez com que não pensasse na
necessidade de aplicar a lei, em detrimento da conceção de que as convivências
de homens e mulheres devem ser daquela forma, isto porque foi socialmente
construído. Mas nós podemos desconstruir isso. Uma das formas para desconstruir
isso é aplicar a lei.
E no caso de
mulheres que tem medo de submeter a queixa por medo de represálias por parte do
marido?
A primeira coisa que acontece é que muitas das vezes nós
temos uma estrutura social que as vezes impede que as mulheres quebrem o silêncio.
Os problemas de violência entre marido e mulher são sempre entendidos que devem
ser resolvidos dentro de casa. Muita das vezes não se entende que deve se resolver
dentro dos parâmetros legais. A outra questão tem a ver com a lei da violência económica.
A lei da violência embora seja boa tem uma componente que infelizmente matou a luta
que nós fizemos. Na nossa luta pela igualdade queríamos que uma vez
identificado o caso, o perpetuador da violência seja afastado da vida, mas a
lei faz outra coisa. A vítima é que tem muita das vezes que submeter-se as
vontades do violador quando diz que ”vou-te devolver”, o que nalgumas vezes
ganham novo contorno quando o perpetuador da violência de cide falar com a
família da vítima para um entendimento. Depois de levar a mulher de volta a sua
casa, torna a violenta-la.
Há casos de
mulheres influenciam na prática da violência do marido contra si própria, isto
porque há casos reportados de mulheres que sentem-se não amadas quando o seu
marido não bate nelas. Como ultrapassar a este cenário?
Considerando a
existência de um instrumento legal que e que essencialmente coloca a questão da
violência domestica como um crime publico, temos que continuar a incutir na
sociedade a necessidade de luta por estas problemáticas, e ainda denunciar caso
presenciarmos casos de violências. E se denunciamos a lei deve ser aplicada.
Sabendo que
muitas das vezes a divulgação destas matérias está centrada somente nas
cidades, que mecanismos o Fórum mulher tem implementado de modo que informações
de género possam alcançar a população residente nas zonas rurais?
O trabalho fundamental é investir na formação dos para
legais que são para nós ativistas locais que trabalham em matérias de ajuda a
mulheres comunitárias e possam exercer influencia na comunidade, trabalhando em
prol dos direitos humanos da s mulheres. Há um trabalho que o Fórum mulher tem
feito que é investir na formação dos agentes das esquadras seja a nível provincial
e dos distritos de modo a influenciar na aplicação do instrumento.
Quando se fala
da igualdade do género, muita das vezes fala-se da mulher. A que se deve?
Eu penso que isto vem da ideia de existir desigualdade
que subjuga os direitos das mulheres, seja a nível do acesso a saúde, escola,
terra. Porque a desigualdade se encontra expressiva neste grupo, muita das
vezes trabalha-se em prol do empoderamento deste grupo para reduzir a
desigualdade. Não é que a ideia seja colocar as mulheres acima em relação aos
homens, mas sim num ponto em que sintamos que todos somos iguais, sujeitos de
direitos e deveres.
Olhando para a
mulher na política, na governação e nos processos de tomada de decisão. Como
avalia ao atual cenário do país. Acha que estamos a progredir em matérias de empoderamento
da mulher?
Acredito que estamos a caminhar num bom ritmo em termos
de participação praticamente em todos os níveis, mas sobretudo ao nível central
onde temos o Governo atual com cada vez mais participação das mulheres, seja a
nível da Assembleia da Republica. É importante trabalhar com as mulheres neste
sentido para que juntos possamos traçar novas rédeas e decisões em prol dum
pais mais inclusivo, lutando contra diversos estereótipos a nível das
instituições e elevar cada vez mais a necessidade de respeito e valorização da
presença da mulher na sociedade, pois ela pode participar e definir novos rumos
para o país.
A outra questão tem a ver com a participação da mulher ao
nível mais baixo. Estou neste caso a falar do processo de descentralização que
possibilitou-nos ter órgãos locais do estado, mulheres nas administrações. Mas
ainda atemos muitos desafios porque os novos partidos emergentes ainda não
enquadraram as mulheres nas suas atividades, isto pela massiva participação dos
homens.
Há perspetivas
lançadas por diversas organizações em colaboração com o Fórum mulher, que
preveem que até 2015 o barómetro da luta pela igualdade atinja o 50/50 da
igualdade entre homens e mulheres. Acredita que ainda vamos a tempo de efetivar
tal desejo?
Nada é impossível. Mas olhando para o atual cenário em que
estamos, deixa a perceber que estamos longe do 50/50, seja em termos de
governação, empoderamento económico, mulheres no cargo de liderança, no acesso
a saúde, agua e saneamento. Não tem como dizer que vamos conseguir. Foi um
compromisso que o estado adquiriu á medida que ratificou o protocolo da SADC
sobre a igualdade do género. Daí que importante que o estado preste contas ao
cidadão e dar possibilidades de ter um pós 2015 para manter as metas e traçar
novos passos para alcançar o desejado. Mas é imperioso ainda rever a forma de
governar para saber como ultrapassar as grandes dificuldades inerentes a
necessidade da crivação de uma sociedade mais inclusiva e mais democrática que
respeite os princípios da igualdade dos direitos humanos.
Sérgio dos
Céus Nelson