segunda-feira, 9 de maio de 2016

“É caricato reproduzir peças porque ambicionamos chegar longe”

Santana e Sheron
Sonhar, representar, encenar, criar imagens, viver vidas de gente desconhecida e ser mais do que um ser vivente, são algumas das características de Dias Santana que faz-se diferente quando sobre ao palco e sobre o espirito de um autêntico actor, perde-se cada vez que tenta encarnar-se na vida do ser social que define-se enquanto vive.

Numa conversa, entre dois seres que navegam no mesmo mundo e tentam criar interceção de suas vivências, viajamos junto de Santana que com os olhos exprimindo a sua eterna paixão pelo teatro, fazia-se emocionar e alegrar cada vez emergia-se em lembranças dos momentos em que esculpia seu corpo de sonhos e sua identidade de dúvidas quando ser ele mesmo desconhece-se à medida que vive a vida de um mendigo, de um esfomeado que sobre o olhar do mundo sonha em cantar glórias e amenidades.
Falando com Santana, encontramos uma duplicidade de vidas presas no mesmo ser. Mas como viver num mundo emprestado e ao mesmo tempo conciliar com a realidade que lhe segue a cada dia dos seus passos.
Junto de actores da Globo
FRENTE AOS FACTOS (FF): Como é que conhece Sérgio Mabombo?
DIAS SANTANA (DS): Conheço Sérgio já a alguns anos porque ele pertencia a um grupo teatral da Matola e eu pertencia e ainda pertenço a um grupo chamado Pangalatana. Os dois são grupos que sempre interagem e tem feito trabalhos juntos. Dai que em 2009 tivemos a oportunidade de trabalhar num filme espanhol juntos.
Em 2010, devido a colaboração havida no filme e outras trocas de ideias, decidimos trabalhar juntos já que no cinema nos havíamos conectado muito bem. E porque os nossos grupos estavam adormecidos, por razoes que todos conhecemos, a destacar a falta de fundos, no mesmo ano (2010) criamos o Lareira Artes.
Junto do actor da Globo
FF: Já criado o grupo Lareira Artes, como foi conceber a ideia da peça teatral “A cavaqueira do postre”?
DS: O Sérgio já tinha escrito o texto. Deu-me para analisar e naquilo que não concordava, deu-me a liberdade total de alterar e acrescentar novas ideias. Depois disso começámos a ensaiar o texto. Mas importa referir que por ser um grupo novo, houve dificuldades para dar os primeiros passos, porque não temos condições de trabalho. Ademais, para que exista o encenador é preciso que exista espaço.
Como não podíamos parar por causa dessas dificuldades, procurávamos qualquer sitio para ensaiar e fomos fazendo testes na rua. Lembro-me que por causa disso pessoas pensavam que fossemos malucos, porque usávamos o espaço das ruas para ensaiar a nossa peça.
Depois de passado algum tempo ensaiando e refletindo sobre a peça, nos veio a mente a dúvida de quem seria o encenador. Entre reflexões e a vontade de tornar o grupo mais firme e que seja reconhecido, decidimos escolher o Elliot Alex. Lembro-me que quando lhe contactamos ele estava fora de Maputo.
Quando ele chega a Maputo, percebeu que já havíamos feito 50% do trabalho, e junto dele completamos a parte que faltava para completar a peça. Ao aceitar encenar a peça, decidimos seguir com o trabalho que tinha em vista fazer uma reflexão sobre o contexto social.
Actores
FF: Tem feito viagens a mundo a fora para apresentar a peça. Como tem sido o nível de aceitação dos que vão ao teatro para ver-vos actuar?
DS: A recepção tem sido muito positiva, desde fomos no Brasil em 2010, mesmo ano que estreámos a peça. Foi algo fenomenal. Quando chegamos no Brasil, lembro-me que estava a decorrer um festival internacional no qual estavam muitos países.
De manha quando estávamos no quarto, a Rosa Langa quem estava connosco na altura disse “meninos liguem a Televisão” e percebemos que estavam as falar do nosso grupo. E o mais emocionante é que o noticiário falava no nosso grupo como a atracão principal do festival. Aquela surpresa foi algo incaracterizável, tendo em conta que eramos um grupo novo. Alias, até em jornais apareceram notícias falando de nós.
Afinal de contas, quando estreámos a peça em Moçambique teve um grande impacto, o que não seio dizer porque, já que disse que eramos um grupo pequeno que não tinha muitas condições.
Porque os meios de comunicação estavam na estreia, facilitou que o nosso nome se espalhasse com facilidade até que chegasse no Brasil.
Quando falaram do nosso grupo como a atracão principal do festival, confesso que pensei que estivessem a nos confundir com outro grupo.
Quando apresentamos a peça no Brasil, com aquele público formidável, vimos gente emocionar-se enquanto apresentávamos a peça, o que nos levou a acreditarmos que nos tínhamos metido em um grande desafio.
Passagem da RTP
Uma grande surpresa foi quando as pessoas invadiram o nosso camarim e ficamos pasmos, como quem não acredita no que estivera a ver pelos seus olhos. Depois daquele momento, fomos ter com o representante do festival que nos fez perceber que todo aquele apoio, as lagrimas vertidas em um momento de encenação, foi porque as pessoas tinham gostado da nossa peça. Aquilo motivou-nos grandemente e deu-nos força para seguir em frente e tentar aperfeiçoar as nossas obras.
Importa dizer que por causa daquele espetáculo que demos, fomos conquistando os outros estados do Brasil e chegamos a fazer visitas em outros países, graças a boa recepção da nossa peça naquele dia.
FF: Como foi que chegaram no Brasil? Teve alguém que serviu de conector para a vossa chegada naquele país?
DS: Quando criamos o grupo tínhamos o objectivo de nos internacionalizarmos, por isso contactamos Elliot Alex e o fizemos saber quais eram as nossas metas, já que ele é um actor reconhecido mundialmente e já esteve no Brasil. Junto dele tivemos a nossa aparição no festival internacional em Teresina no Brasil.
FF: Nas visitas por outros países, o Lareira e Artes tem feito interligações e participações em peças de outros grupos?
DS: Esses é um dos ganhos mais importantes que temos tido. Os intercâmbios facilitam o nosso crescimento como artistas. Deixa-me dizer que neste momento faço parte de um grupo chamado Blem blem de São Paulo. Nos conhecemos no Brasil e a nossa peça (A cavaqueira do poste) foi encenada no ano passado por um grupo chamado Dragão 7 de São Paulo e a nossa peça (texto) “A nova aragem” está a servir no momento como uma base de estudo para uma universidade de Teresina e fizemos uma co-produção com um grupo de Portugal chamado Chão de Olivia que com ele montamos a nova aragem.
FF: Consegue ser actor no palco do teatro e ao mesmo tempo ser acto no palco da tua vida?
DS: Claro. É necessário senão ficamos loucos. Quando estou fora dos palcos consigo encontrar-me como um cidadão comum, embora existam actores que não conseguem distinguir o momento de encenação e o momento da vida real.
FF: Há quem diz que a vida é uma representação, porque vive-se como se actua num palco.
DS: Concordo. A vida é em si uma arte e vivemos representando em cada instante. Mas o que importa nisso é que quando subo no palco sei que vou representar uma certa imagem, mas quando estou no real da vida sei que devo ser eu mesmo.
FF: Sabemos que é jornalista. Tem praticado ainda a profissão, ou já deixou para traz em detrimento do teatro.
DS: As pessoas podem não saber, mas estou a praticar o jornalismo, apesar de não estar em nenhum órgão em Moçambique. Mas tenho colaborado com uma revista de São Paulo chamada “Legitima defesa” que tem a ver com questões da raça negra no Brasil. Fui convidado para trabalhar na revista em 2013 e sou correspondente da Radio Mega Brasil Online. Então, continuo a trabalhar como jornalista.
FF: Em termos de focos, o que ambiciona a nível do vosso grupo e para o teatro?
DS: Minha maior ambição no teatro é que o teatro moçambicano tivesse mais apoios para ajudar no crescimento do próprio teatro, porque é de conhecimento geral que há falta de apoio no teatro. Há muito talento e muitos bons grupos no país que acabam desaparecendo por falta de apoio.
Gostaria, a quem fosse de direito, que desse a mão para fortificar os trabalhos teatrais, porque o que se nota é que a cultura em Moçambique é só música, embora tal música seja para alguma camada privilegiada, o que faz com que os verdadeiros músicos não tenham atenção necessária.
Eu gostaria, que do mesmo jeito que dão prioridade para as outras áreas, dessem também prioridade para a cultura. Gostaria que o Lareia Artes crescesse cada vez mais e tivéssemos espaço para trabalhar, mais oportunidades para apresentarmos nossas peças aqui no país, porque não somos conhecidos em Moçambique. Essa é uma triste realidade.
Junto do Sergio 
FF: Que crítica faz sobre as produções teatrais no país?
DS: Talvez seja difícil fazer uma crítica porque se formos a ver, os ditos grupos profissionais são dois (Mutumbela gogo e Gungu). Para criticar os grupos pequenos que só participam no festival do inverno e que não tem mínimas condições de trabalho e nem tem encenador, é difícil. É fácil criticar quando sabe-se que os grupos têm condições de trabalho.
FF: O que falta para que o grupo Lareira Artes expanda seu nome a nível do país?
DS: Falta de patrocínio. Já pedimos vários patrocínios para vermos se fazemos apresentação pelas províncias, mas não temos tido respostas. O nosso grupo não é desconhecido, porque o Ministério da cultura, na pessoa do antigo Ministro, conhece o nosso grupo, porque em 2010 quando viajamos pela primeira vez, fomos nos despedir dele.
Quando ganhamos um dos prémios no Brasil, nos mandaram emails dizendo que quando chegássemos nos devíamos aproximar do Ministério da Cultura.
Mesmo para as viagens para festivais da lusofonia, os países tem que pagar passagem para os artistas, mas Moçambique não o tem feito que por vezes chegamos a dizer aos países onde decorrem os festivais que não temos condições, e eles acabam convidando outros grupos e dessa forma acabam conhecendo Moçambique como um país que não patrocina viagens de artistas.
Normalmente nos safamos desse escândalo quando subimos no placo e as pessoas gostam da nossa actuação. O que percebo é que estamos a correr o risco de um dia Moçambique ser afastado dos festivais, porque é preciso colaborar.
FF: Pensam em aumentar membros no grupo Lareira Artes?
DS: O grupo foi criado por Santana e o Sérgio. Muitas vezes ensaiamos no quarto do santana e lá não podem caber cinco ou seis actores no entanto, não somos uma ilha. Trabalhamos com outros actores. Por exemplo a peça “A cinza sobre as mãos”, trabalhamos com dois actores da Escola de Comunicacao e Artes – ECA da Universidade Eduardo Mondlane.  Não somos uma ilha, mas por falta de condições acabamos por nos limitar a chamar outros actores.
FF: Alguns criticam o facto de os grupos teatrais pautarem pela falta de novas criações e pelas reproduções de peças teatrais de outros grupos.
DS: Cada grupo tem suas estratégias. Para o nosso caso fica caricato reproduzir peças porque ambicionamos chegar longe. Não me vejo a montar Romeu e Julieta, porque ao chegar no Brasil vão dizer que a peça já foi representada de varias maneiras, e no Brasil, para conseguir espaço tens que chegar com uma novidade e por vezes fazer o dobro do que eles fazem.
Nos estamos felizes por criarmos nossas próprias peças, porque há grupos renomados fora do país que tem representado nossas peças, isso é maravilhoso. Preferimos fazer nossas próprias peças, baseadas na nossa realidade, mas com uma visão global.
A crise financeira por exemplo, é algo que nos apoquenta todos dias, daí que a retratamos na cavaqueira do poste. Todo mundo ficou impressionado com a peça. Por causa da nossa ousadia, as pessoas nos perguntam se somos um grupo do Brasil, mas claro que dizemos que somos um grupo originalmente moçambicano.
Momentos com Costa Neto
FF: Que conselhos para quem teme expressar-se, ser ele mesmo, sonhar e seguir seus sonhos?
DS: Se teres medo de seres tu mesmo nunca vais crescer, desenvolver e nunca serás tu mesmo. Ganha coragem, não será fácil, mas há glória em lutar para vencer. Não durmo a produzir dia e noite, o que faz com que muita gente nos critique e chegam a dizer que bloqueamos o mercado internacional, o que não é verdade. Não basta só produzir, tens que fazer contactos para internacionalizar o seu trabalho.
Do momento, o grupo Lareira Artes está a trabalhar em novos projectos, a destacar a nova peça teatral que chama-se a virada do jogo, que ainda não está prevista a sua estreia, porque ainda estão a trabalhar minuciosamente nos detalhes por forma a dar ao público o prazer de ver, assistir e viver as suas peças teatrais.
Coimbra
Percurso de Dias Santana

Santana é formado em Comunicação Social (Jornalismo) pela escola de jornalismo de Maputo. Dá segmento a cultura pela escola primaria e em 1995 abraça seria mente esta área sob a direcção da Casa de Cultura do Alto-Maé , fazendo teatro ,musica  tradicional,etc…
Mais tarde trabalha com alguns artistas renomados da praça e integra-se em alguns grupos teatrais dentre eles Hopangalatana e Gala Galazul criado pelo actor e encenador Rogério Manjate e apresentando-se na Africa de Sul Zimbabwe, Austria , França  e Burkina-Faso.
Em 2010 funda o grupo Lareira Artes com o seu colega Sérgio Mabombo e participam nos principais festivais de teatro em  Angola , Portugal ,Brasil  e Macau com muito êxito   sendo  neste  momento  Um dos  Grupos Mais Internacionais  e Premiados da  Lusofonia pela segunda vez consecutiva, apesar  de cinco anos de existência e  composto  apenas  por dois  elementos.

PRÉMIOS E DESTAQUES DO SANTANA

2014- A Imprensa brasileira através da APCA-ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE CRÍTICOS DE ARTE premeia o Santana  como Um dos  Sete Actores Negros   que  fazem  Diferença no  Mundo das Artes  no  Brasil.
 2012- Santana participou na telenovela mexicana "El Caminhante" cujo casting e gravações decorreram em São Paulo.
Participou também na telenovela "Joias de África" em Maputo e alguns filmes dentre eles "Quero Ser Uma Estrela" e  "Um  Rio"  do  português   José  Carlos de Oliveira.
"Flores Silvestres" do espanhol Mikel Ardanaz , " A terra Prometida " de origem italiana. Fez também direcção de actores  no  filme Sunday  do  Italiano  Fabian  Ribezzo.
2012- É convidado a integrar o grupo brasileiro de teatro BLEM BLEM composto por quatro elementos.
O Santana é convidado também a orientar workshops, palestras e debates no Brasil ,Portugal  e  Macau.
JORNALISMO

2012- É convidado a colaborar na revista LD-Legítima Defesa, ligada a movimento negro no Brasil.
2015- Convidado a corresponder para  Rádio Mega Brasil Online  de  São  Paulo.

PRÉMIOS  E  DESTAQUES DO SEU  GRUPO

2013/15-Um dos Grupos Mais Internacionais e Premiados da Lusofonia
2015-O grupo apresentou-se em 4 Continentes num só ano
2013-Prémio Festlip  no  Brasil
 2012-Melhor espetáculo  no  Festeca   em  Angola
2012-Premio  Impacto  no  festival  Periferias  em  Portugal
2011-Primeiro grupo estrangeiro  a  participar no  FENATA-festival  nacional  do  teatro  brasileiro no  Paraná  onde  o  grupo  foi  igualmente homenageado.
2015-Digressão por Portugal.

2015-O grupo é premiado com a peça "Cinzas Sobre as Mãos" como Um dos Três Melhores Espectáculos Estrangeiros que passaram pelo Brasil em 2015. 

Sérgio dos Céus Nelson

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Frente aos factos

Sobre o autor do blog

Sérgio dos Céus Nelson

Communication Officer at Lúrio University Journalist. Freelancer. Activist of Human Rights. Photographer

Communication and information specialist. Journalist. Writer. Screenwriter. Researcher. Motivator. Volunteer.

Founder of the Association of Environmental and Human Rights Journalists - AJADH and the Literary Association of Arts and Culture of Mozambique (ALARCUMO).

Contact: (+258) 829683204 or 846065018/879877312

Skype: Sérgio dos Céus Nelson

Journalist with Honorable Mention in the International Prize for Human Rights Journalism, by the Association of Public Defenders of the State of Rio Grande do Sul (ADPERGS) - Brazil.

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